SACERDOTISAS SUMÉRIAS
Revista Historiador Especial Número 01. Ano 03. Julho de 2010 Disponível em: http://www.historialivre.com/revistahistoriador
Resumo
O sacerdócio feminino na Suméria teve início com Sargão de Akkad. Estas tinham importância nos ritos de adoração a Deusa da Fertilidade e era reconhecido seu valor social, como também lhes eram conferidos direitos legais. Tenho o objetivo de abordar o relativo papel que estas desempenhavam na Suméria e sua importância como cidadãs no contexto em que estavam inseridas. Para tal foi feita uma análise de fontes bibliográficas já escritas sobre o tema. Com isso pretendo demonstrar a importância que a mulher tinha neste período e a participação relativamente ampla que exercia, observando que nem sempre esta foi relegada à margem da sociedade como impura e pecadora.
Palavras-Chave: Sumérios, Gênero, Sacerdotisas Sumérias, Sociedade Matrilinear, Mitos. Introdução
O sacerdócio feminino na Suméria teve início com Sargão de Akkad e sua filha Enheduana como a primeira sacerdotisa, estando ligado à antiga adoração da Deusa-Mãe ou Deusa da Fertilidade como também era conhecida. Na Suméria esta deusa era conhecida pelos nomes de Inana e Ishtar.
A abordagem deste estudo relativo às sacerdotisas sumerianas chega num contexto onde é possível compreender qual o papel destas nos templos sumérios e qual sua importância como mulheres atuantes na sociedade. Suas atuações nos ritos em adoração às deusas e a manutenção da fertilidade legaram a estas mulheres também a denominação de “prostitutas sagradas” em ritos conhecidos como o “casamento sagrado”. Na época, estes ritos estavam baseados na compreensão dos mitos que explicavam a vida e a natureza. Eram de suma importância para o povo, pois estavam sempre em contato com os deuses. Estas mulheres eram intermediárias entre o povo, os governantes e os deuses, sendo suas atuações nos ritos diferenciadas da atuação dos sacerdotes masculinos.
Através de ritos onde o meio natural era considerado sagrado, as sacerdotisas mantinham as boas colheitas e a fertilidade de homens e mulheres, como também aplacavam a ira dos deuses mantendo um Estado de calma, harmonia e de paz na Suméria. Asseguravam a simpatia dos deuses pelos governantes locais e suas vitórias em possíveis confrontos inimigos.
Regina Schüssler1
1 Graduanda em História pela Faculdade Porto-Alegrense (FAPA), 8o semestre.
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O estudo das sacerdotisas sumerianas nos revela que o gênero feminino estava intimamente ligado com o aspecto mental do povo sumeriano relacionado à paz e à fertilidade. Em uma sociedade tipicamente dominada pelos homens, as sacerdotisas eram respeitadas justamente por usar das características femininas para garantir a simpatia dos deuses, a fartura de colheitas e a fertilidade do povo.
Neste artigo pretendo mostrar através de uma analise de bibliografias pertinentes ao assunto, como estas mulheres puderam se sobressair numa sociedade onde a atuação masculina era reconhecida pela força e ação sobre o meio, garantindo a guarnição e prosperidade ao povo, mas que acima de tudo respeitava a consangüinidade materna apresentando características de uma sociedade matrilinear. Características estas, que eram asseguradas pelas tabuas de leis sumerianas, o Código de Hamurabi, que já para aquele período elucidava perfeitamente os direitos e deveres das mulheres, bem como das sacerdotisas como cidadãs reconhecidas em sua sociedade. O estudo dos mitos traz a compreensão e o entendimento do povo sumeriano sobre sua relação com os deuses, às lendas e os ritos. Através deste entendimento mitológico também é levado em consideração não somente os aspectos históricos, mas as mentalidades envolvidas por traz da atuação das sacerdotisas nos templos sumérios e como com o passar do tempo esta leitura cultural transformou-se na depreciação feminina dos últimos séculos.
A Suméria como referência de uma Civilização Antiga apresentava características bastante evoluídas tecnologicamente o que nos permite observar a atuação das mulheres no papel de sacerdotisas de forma a reconhecê-las como sujeito histórico.
Para um povo onde tudo provinha dos deuses e era sagrado, as sacerdotisas representavam a Deusa na Terra e traziam através do ritos a segurança social que era almejada pelos governantes e pelo povo e que somente os mitos explicavam de forma aceitável dentro de um contexto e vivência históricos.
As Sacerdotisas Sumérias
A Suméria é uma redescoberta recente realizada pelos historiados e arqueólogos. E através desta redescoberta, várias hipóteses têm sido formuladas no que se refere às Antigas Civilizações do Próximo Oriente. Dentre estas o destaque feminino do papel das sacerdotisas nos templos sumérios, onde inicialmente ouvia-se apenas sobre a importância masculina na figura dos sacerdotes responsáveis pelos cultos aos deuses e funerais. De posse a esta versão basicamente masculina da história, vários pesquisadores vêem dando um novo olhar aos chamados “excluídos da história”, e neste contexto uma maior relevância a participação e atuação feminina.
A Suméria, como várias outras civilizações do Antigo Oriente Próximo incorporou o culto a Deus-Mãe que já vinha ocorrendo desde o Paleolítico. A Deusa-Mãe era uma
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entidade espiritual de poder e força, semelhantes às conhecidas do Deus-Javé, cultuado pelo povo hebreu. Esta estava associada às forças da natureza e as mulheres, dando uma conotação feminina ao aspecto Divino. Ela seria aquela conhecida por muitos nomes e muitas faces correspondendo simultaneamente à virgem, mãe e amante (ou noiva).
Na mitologia suméria, Ninhursaga, “a mãe da terra”, chamou-se Ninsikilla, “a pura (virgem) senhora”, até que ligada a Enki, o deus da água da sabedoria, e deu a luz sem dor, numerosas divindades, depois de nove dias de gravidez. Então transformou-se em Nintu-ama-Kalamma, “ a senhora que dá a Luz”, “a mãe da terra”, e como esposa foi Dam-gal-nunna, “a grande esposa do príncipe”. Sendo concebida como o fértil solo e dado nascimento à vegetação, foi conhecida por Nin-hur-sag-ga, “a senhora da montanha”, onde a natureza manifestava os seus poderes de fecundidade na Primavera, na luxuriante vegetação das suas verdejantes encostas. (JAMES, 1960, p.82)
Esta conotação divina relacionada à Deusa fazia parte não só da compreensão dos sumerianos, mas também de outras civilizações da antiguidade e de algumas civilizações futuras, antes da opressão masculina sobrepor-se a divinização das mulheres.
Esta divinização estava relacionada aos nascimentos dos bebês que eram considerados obras do sagrado, enfim da Deusa-Mãe, pois as relações sexuais não eram associadas ao ato de conceber. Aos olhos humanos este fato levava a mulher a uma condição de escolhida e protegida da Deusa o que fez com que seu próprio ciclo menstrual representasse uma incógnita. A mulher mensalmente sangrava de acordo com o ciclo lunar, transformando este mistério incurável, porém não fatal, em mais uma obra do divino. E é justamente neste contexto envolto no mito que liga a mulher ao sagrado e a Deusa, dando origem ao sacerdócio. Para o povo sumério, assim como outros, a mulher era a representante da Deusa na terra, fortalecia e atraia a fertilidade sendo associada inevitavelmente as colheitas e aos habitantes, gerando através do sacerdócio feminino um culto intimamente ligado a Deusa.
O início do sacerdócio feminino é instituído como prática habitual por volta do ano 2334 a.c com Sargão de Akkad quando se dá a formação do primeiro império sumeriano. Esta prática vem a se manter por meio século sendo posteriormente conhecida como a Tradição. Conta um mito sumeriano que Sargão teve um sonho onde é favorecido pela deusa Inana , tornando-se o governante e a partir deste momento passa a prestar culto a ela, através de Enheduana sua filha. A sacerdotisa passa a ser a representante de Inana na terra.
Enheduana além de princesa e sacerdotisa foi poetisa e a primeira mulher da história a ter em suas mãos o poder da escrita. Escreveu vários hinos e poemas a Inana e Ishtar abordando o culto, anseios, desejos e revoltas pessoais junto às deusas. Como ministra era a conselheira junto do governante e demais nobres de sua época, orientando e aconselhando de acordo com a vontade dos deuses. Vivenciou poder temporal e espiritual,
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além de ter considerável erudição, representando um testemunho precioso de uma mulher de seu tempo com tamanha responsabilidade.
O poema a seguir assemelha-se a uma redação de diário e descreve a imagem que Enheduana tem da deusa Inana:
Senhora de todas as essências, cheia de luz, boa mulher, vestida de esplendor,
que possui o amor do céu e da terra,
amiga de templo de An,
tu usas adornos maravilhosos,
tu desejas a tiara da alta sacerdotisa
cujas mãos seguram as sete essências. (QUALLS-CORBETT, 1990, p.33)
Sargão ao unificar a parte sul da Mesopotâmia a região de Acádia (futura Babilônia) passa a reconhecer Inana também por Ishtar, nome que a deusa assume na Babilônia.
Inana ou Ishtar é considerada por alguns pesquisadores como a deusa do amor e da fertilidade. No entanto para Cardoso ela também passa a assumir um caráter militar, o que pode justificar mitologicamente a conquista territorial de Sargão pelas armas. (Cardoso, 1997, p. 30). Esta íntima relação de Sargão com Inana é que o faz instituir o sacerdócio pela primeira vez na Suméria com sua filha Enheduana.
Enheduana como primeira alta sacerdotisa da Suméria cultua a deusa Inana e também o deus Nanna ou Sin que é um deus lunar. Nanna está diretamente associado à lua, que para os sumérios recebia mais importância que o sol, ao contrário do Egito. A lua está também ligada ao ciclo menstrual feminino o que pode ser a hipótese provável da importância da mulher sumeriana nos ritos de adoração, pois o deus Nanna era regente do tempo, das estações, da fertilidade e do sangue sagrado de todas as mulheres.
As sacerdotisas como seguidoras da Deusa a cultuavam em ritos de adoração que simbolizavam a fertilidade tanto do solo como da população. Os ritos eram realizados em templos altos conhecidos como zigurats, que eram construções suntuosas que se assemelhavam a montanhas. As montanhas tinham grande importância entre os sumérios, pois representava um ponto de passagem ou transição de um mundo para o outro. (CARDOSO, 1999, p.93)
Nestes templos os ritos de culto aos deuses mais realizados entre as sacerdotisas era o hieros gamos, conhecido também como o “casamento sagrado”, onde uma sacerdotisa iniciada nas sabedorias ocultas exercia o papel da deusa deitando-se junto ao herói ou governante da Cidade-Estado, oficializando-o como figura hierarquicamente escolhida pelos deuses, assim como para fortalecer a fertilidade da população, colheitas, riquezas e assegurar as conquistas aspiradas pelo deus na terra, o governante. Este rito era realizado anualmente e desta forma, mantida a força e a regência do governante, garantindo a prosperidade do império. Os ritos são ilustrados com o mito de Dumuzi e Inana (JAMES,
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1960, p.82-83), que também traz a representação das estações do ano onde anualmente o deus é resgatado e fortificado no ritual de Ano Novo desempenhado pelas sacerdotisas.
As sacerdotisas são descritas por alguns pesquisadores como as “prostitutas sagradas”, hieródulas ou entu em acádio, pois muitas delas sequer conheciam os homens com quem teriam as relações sexuais. Foram descritas por Heródoto tardiamente pela seguinte compreensão:
O pior dos Hábitos é aquele que obriga toda a mulher do país a sentar-se no Templo do Amor uma vez na vida e ter relações com um desconhecido. Os homens passam e fazem sua escolha, e as mulheres não recusam nunca, pois isso seria pecado. Depois desse ato tornou-se santa aos olhos da deusa, e volta para casa. (MILES, 1988, p.58)
A prostituição sagrada, no entanto não era imposta. As sacerdotisas que se dedicavam ao sacerdócio normalmente o faziam de livre e espontânea vontade, pois o faziam pela deusa e assim também caíam em suas graças. Para os sumérios servir aos deuses era uma honra. Não é a toa que nas civilizações vindouras, estas mesmas serviçais iriam ser reconhecidas como Graças.
As sacerdotisas não eram ridicularizadas e menosprezadas. Seu papel tinha suma importância entre os sumérios, pois através destas a simpatia dos deuses era garantida. Eram respeitadas e valorizadas, pois representavam a encarnação da própria Deusa nos ritos realizados sendo destinados a elas direitos legais no Código de Hamurabi.
Esta prática que sempre que ocorre por todo Oriente Próximo ou Médio, é chamada “prostituição ritual”. Nada poderia degradar mais completamente a verdadeira função das gadishtu, as mulheres sagradas da deusa. […] eram reverenciadas como a reencarnação da própria Deusa, celebrando seu dom do sexo que era poderoso, santo e precioso, que gratidão eterna lhe era devida dentro do seu templo. Ter relações com um desconhecido era a mais pura expressão da vontade da Deusa, e não acarretava qualquer estigma. […] pelo contrário, as mulheres santas eram sempre conhecidas como “as sagradas”, “as incorruptas” ou, como em Urek na Suméria, nu-gig, “as puras ou sem mácula”. (MILES, 1988, p.58)
Na antiguidade a prostituição não tinha uma conotação pejorativa como o é hoje. A cultura judaico-cristã contribuiu para que houvesse um erro de interpretação às expressões virgo e parthenoi relacionadas à castidade, dificultando seu entendimento ainda hoje. A primeira significa mulher intacta, não casada, celibatária, já que a sacerdotisa normalmente era virgem e só a partir do ritual era iniciada na arte do amor. A segunda expressão significa “ nascidos de uma virgem”, pois os filhos nascidos de uma sacerdotisa eram considerados filhos diretos da deusa, portanto eram denominados como heróis ou semi-deuses. Virgem era a mulher não casada, portanto sem ligação com pureza, inocência ou castidade.
Os deuses eram alimentados, vestido e presenteados. As oferendas incluíam alimentos que também eram consumidos pelos homens e usados para libações. Sendo queimados diante às estatuas incensos e madeiras aromáticas.
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O momento do ritual era totalmente preparado no zigurats. Antes de adentrar nos espaços sagrados do templo era preciso purificar-se. A purificação implicava em se lavar, e o próprio santuário era varrido e espargido água. Incenso e outros elementos aromáticos eram também usados na purificação. (CARDOSO, 1999, p.97)
O ritual de Ano Novo era uma celebração banhada com cerveja e os músicos do templo tocavam músicas que intensificavam a dança e atração sexual. Eram também feitos sacrifícios no templo com o oferecimento dos primeiros grãos, os primeiros rebentos de gado e às vezes até a primeira criança. Sendo o sangue considerado sagrado e portador de fertilidade os ritos tinham o intuito de aumentar o poder de vida a terra. Durante os preparativos da sacerdotisa o regozijo e a alegria eram extasiantes e eróticos. Após o festejo o casal nupcial, a sacerdotisa e o governante, uniam-se no aposento sagrado do zigurats representando a deusa e o jovem viril deus da vegetação.
O rei dirige-se com a cabeça erguida ao colo santo,
Ele se dirige com a cabeça erguida ao colo santo de Inana, O rei vindo com a cabeça erguida,
Vindo à minha rainha com a cabeça erguida…
Abraça a Hieródula… (QUALLS-CORBETT, 1990, p.32)
O papel social da sacerdotisa era valorizado, sendo assegurado pelo Código de Hamurabi. Assim como os hinos de Enheduana que abordam poeticamente as atuações de uma sacerdotisa.
As Sacerdotisas e a Sociedade Sumeriana
Na sociedade Suméria a classe das sacerdotisas por ser reconhecida e respeitada, normalmente era um lugar destinado às mulheres de classe privilegiada, sendo as rainhas e princesas. No entanto outras moças também podiam exercer a função desde que o pai as entregasse a deusa.
A primeira sacerdotisa da história era princesa e filha de Sargão de Akkad. Assim foi determinado pelo fato da deusa Inana ter assegurado a conquista do território a Sargão, tornando-o o governante. Determinação esta que prevaleceu por meio século e teve aceitação por outros povos.
A sociedade assumia características matrilineares deixando clara a consangüinidade da mãe, estando este fator também ligado a adoração da Deusa-Mãe.
Havia vários tipos de sacerdotisas. Entu era a sacerdotisa principal, naditu e ugbabtu eram de uma classe que vivia reclusa e eram bem consideradas, já as gadishtu e sugitu eram sacerdotisas dedicadas a prostituição sagrada e podiam também procriar. (CARDOSO, 1999, 91-95).
[…] as sacerdotisas serviam as deusas e os sacerdotes, deuses: mas havia a importante exceção da sacerdotisa virgem, quase sempre de origem real, chamada entu, que dirigia o culto lunar de Nanna-Suen em Ur. […] Outras sacerdotisas (naditu, ugbabtu) viviam recluídas em residências parecidas a14
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conventos, havia as que se casavam […] e outras (gadishtu ou kulmashitu) dedicadas ao que parece à prostituição sagrada. (CARDOSO, 1999, p. 95)
Todas as sacerdotisas eram asseguradas por lei e tinham direitos e deveres descritos no Código de Hamurabi.
O Código de Hamurabi traz varias leis locais que descrevem os direitos e deveres das sacerdotisas atestando o respeito e a consideração que recebiam. Numa sociedade que tinha características matrilineares estas leis garantiam a execução das mesmas assim como amparava as sacerdotisas amplamente.
Estas podiam ter posse de bens e negociá-los:
§ 40
Uma naditum, um mercador ou um “ilkum ahûm” poderá vender seu campo, seu pomar, ou sua casa.
O comprador deverá assumir o (serviço) ilkum do campo, do pomar ou da casa que comprou. (BOUZON, 2001, p.78)
Devido ao seu nível sagrado não podia entrar ou abrir uma taberna:
§ 110
Se uma (sacerdotisa) naditum ou ugbabtum, que não mora em um convento, abriu uma taberna ou entrou na taberna para (beber) cerveja, queimarão esta mulher. (BOUZON, 2001, p. 126)
O falso testemunho era punido fisicamente:
§ 127
Se um awilum apontou o dedo contra uma (sacerdotisa) ugbabtum ou contra a esposa de um awilum e não comprovou, baterão nesse homem diante dos juízes e rasparão a metade (de sua cabeça). (BOUZON, 2001, p. 138)
Há ainda outras leis no Código de Hamurabi permitindo o casamento, filhos e direitos de esposa, bem como posse de herança paterna como o direito de negociá-la, ou seja, não somente o fato de ser sacerdotisa permitia esta amplitude de leis, mas o fato de ser a consangüinidade feminina que assegurava mulher.
Durante meio século o sacerdócio foi mantido na Suméria através do rito do “casamento sagrado”, sendo estendido pelo Antigo Oriente Próximo assim como por civilizações vindouras. Com o advento do cristianismo as interpretações hebraicas e dos novos-cristãos foram descaracterizando as sacerdotisas e a própria Deusa-Mãe reduzindo a mulher à condição de submissão o que culminaria futuramente com a Santa Inquisição deixando claro onde era o lugar das mulheres perante o mundo criado pela igreja. Miles diz que quando a Mãe-Deusa perdeu seu status de sagrada e o poder que era dado a ela, iniciou uma violenta desvalorização das rainhas, sacerdotisa e mulheres comuns, em todos os estágios da vida, do nascimento a morte culminando com a perda do “direito materno”. (MILES, 1988, p.85) Neste sentido rever o papel da sacerdotisa e do feminino ao longo da
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história é entregar novamente o cetro de poder as mulheres, reconhecendo sua posição ao lado dos homens.
Conclusão
A análise do sacerdócio feminino na Suméria permite concluir que a importância da mulher no passado era muito maior do que se imaginava, ou seja, a interpretação baseada na versão judaico-cristã passada historicamente subentendia a mulher como um ser impuro, cheia de pecados e inferior ao homem, sem significado perante a humanidade trazendo o estigma de traidora e portadora do mal.
A história escrita pelo “homem” e posteriormente dominada e influenciada pela igreja deu a entender que a mulher tinha todas as características necessárias para representar o “mal” sobre a terra. Portanto o resgate histórico da mulher ocupando setores socialmente considerados dentro da sociedade nos faz refletir que uma possível dominação masculina e da igreja possam ter criado este conceito para garantir interesses de poder e ganância impedindo a perpetuação da atuação feminina como vinha acontecendo na antiguidade sumeriana. A força e a presença da mulher nas sociedades matrilineares eram sedimentadas na consangüinidade dos laços maternos envolvendo inclusive o contexto religioso destinando a estas mulheres um lugar de respeito em seu meio social.
Nos relatos advindos da reconstrução histórica da antiguidade sumeriana permite perceber que a valorização não era conjugada a uma dominação feminina sobre o homem, pelo contrário, havia uma ação inter-relacionada onde ambos, homem e mulher, mesmo que fosse para agradar aos deuses atuavam conjuntamente por um mesmo objetivo. No rito do “casamento sagrado” a sacerdotisa e o governante garantiam a simpatia dos deuses e conseqüentemente a prosperidade e a fertilidade do solo e de homens e mulheres, assim como o lugar de seu governante no poder. A força da natureza permitia àqueles povos uma explicação mítica que garantisse a estes o entendimento e um suposto domínio sobre ela, já que não a compreendiam perfeitamente.
Historiadores e arqueólogos já sem os tradicionais preconceitos arraigados passam a desvendar uma atuação feminina que confere a esta não somente cargos respeitados, mas também o reconhecimento de sujeito atuante na sociedade. Desvendando tabuas cuneiformes, poemas, textos perdidos e iconografias trazem as mais prováveis hipóteses de uma mulher que tal como hoje depois de percalços e perseguições consegue passar por uma Santa Inquisição e assumir-se completamente como mulher, dizendo: “sim tenho conhecimento, inteligência e sabedoria”, “sim sou santa e sacerdotisa”, “sim sou mulher, sou meretriz e mãe”.
As sacerdotisas traziam estes valores profundos do “ser mulher” em uma sociedade que as reconhecia e exaltava. Hoje mais uma vez a mulher consegue se fazer valer, sendo
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respeitada e valorizada, longe de preconceitos e falsas interpretações. Sendo inclusive estimulada a resgatar este lugar na sociedade desfazendo o tradicional papel de que “mulher é dona de casa, mãe e esposa”. Vencendo as barreiras e assumindo-se sim com seus tradicionais rótulos, mas acima de tudo como profissional, mulher, menina, amante…”um ser pensante e atuante”.
Referências
BARROS, Maria de Nazareth Alvim de. As Deusas, as Bruxas e a Igreja: Séculos de Perseguição. Rio de Janeiro, Editora Rosa dos Tempos, 2001.
BOUZON, Emanuel. O Código de Hamurabi. Petrópolis, Editora Vozes, 2001.
CAMPBELL, Joseph. Todos os Nomes da Deusa. Rio de Janeiro, Editora dos Tempos, 1997.
CAMPBELL, Joseph. O Herói de mil faces. São Paulo, Círculo do Livro, 1949.
CARDOSO, Ciro Flamarion. Antiguidade Oriental: política e religião. São Paulo, Editora Contexto, 1997.
CARDOSO, Ciro Flamarion. Deuses, Múmias e Zigurats. Porto Alegre, Edipurs, 1999.
JAMES, E. O. Os Deuses Antigos. São paulo, Editora Arcádia Limitada, 1960.
KRAMER, Samuel Noah. Os Sumérios. Rio de Janeiro, Livraria Bertrand, 1977.
MILES, Rosalind. A História do Mundo pela Mulher. Rio de Janeiro, Editorial Casa Maria, 1988.
QUALLS-CORBETT, Nancy. A Prostituta Sagrada: a face eterna do feminino. São Paulo, Edições Paulinas, 1990.
Abstract
The women priesthood in Summer began with Sargon of Akkad. These were important in rites of worship the Goddess of Fertility and was recognized its social value, but they were granted legal rights. It is my goal to address the relative role they played in Summer and their importance as citizens in the context in which they were entered. For such an analysis was made of library resources already written on the subject. With that I wish to demonstrate the importance that the woman was in this period and relatively broad participation exercised, noting that she was not always relegated to the margins of society as impure and sinful. Keywords: Sumerian. Gender. Sumerian Priestesses. Matrilinear Society. Myths.