De onde surgiu gênero?
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Gênero é um conceito riquíssimo, base para qualquer estudo na área das chamadas “relações de gênero” e todas as suas vertentes, seja na psicologia, antropologia e sociologia, considerando temas como a diversidade sexual, o panorama das mulheres na sociedade contemporânea, a militância do feminismo e similares.
Por outro lado, é também um termo extremamente complicado de se definir, sendo que tratados poderiam ser escritos apenas para se pensar (e repensar) o que se está levando em conta ao escrever esta pequena palavra de três sílabas. Não me atrevo, pois, a busca uma definição, mas uma conceituação que certamente atravessará muitos textos.
Um pouco de história
Podemos dizer que a ideia central do conceito de gênero nasceu com escritora francesa Simone de Beauvoir. Essa autora, uma das mais importantes feministas da história, foi a precursora daquilo que ficou conhecido como “Segunda Onda” do feminismo, segundo Scholz (2010). Talvez o ponto mais importante da principal obra de Beauvoir, O Segundo Sexo (1949), possa ser resumido na seguinte frase:
Não se nasce mulher, torna-se mulher.
Ao mencionar isso, Beauvoir está chamando a atenção para as inúmeras construções sociais acerca de ser homem e, especialmente, de ser mulher. Na Introdução de sua obra, Beauvoir inicia um questionamento muito profícuo: “O que é uma mulher?”, para, em seguida, questionar se ‘ser mulher’ é simplesmente possuir um útero. Ao refutar essa correspondência direta, Beauvoir chega à seguinte conclusão: “Todo ser humano do sexo feminino não é, portanto, necessariamente mulher; cumpre-lhe participar dessa realidade misteriosa e ameaçada que é a feminilidade.” (p. 13)
Justamente sobre esse ponto, tão complexo e contraditório por excelência, que reside o conceito de gênero. No entanto, diferentes visões sobre esse mesmo ponto lançaram interpretações distintas.
Um termo de origem gramatical
Quando nós falamos sobre “meninos” e “meninas”, estamos simplesmente alterando o gênero de uma palavra corriqueira. Porém, são tantos sentidos e significados que surgem que é quase como se estivéssemos falando de termos absolutamente diferentes. Toda essa riqueza ao alterar apenas uma pequena letra, bem no finzinho da palavra.
Desde sua origem, gênero foi, sim, um termo emprestado da gramática. Sua origem é inglesa, da palavra gender. A princípio, o termo foi apropriado por psicólogos norte-americanos dos anos 60, dentre Money, Ehrhardt e Stoller para designar uma “identidade de gênero” somada a um corpo, seja lá que corpo é este. Esses psicólogos estavam interessados em entender as pessoas com “sexo ambíguo”, isto é, aqueles que apresentavam, no mesmo corpo, características tidas do sexo feminino e do sexo masculino (CARVALHO, 2011).
Dessa forma, o termo gênero era particularmente interessante para eles uma vez que “identidade de gênero” daqueles sujeitos não poderia ser uma decorrência natural de características corporais. Cria-se, então, uma dicotomia entre um conceito desexo (o corpo, a natureza) e gênero (a cultura, as atitudes), sobre uma teoria que diz respeito, essencialmente, a indivíduos e como estes lidam com seu sexo e seu gênero.
Gênero seria, portanto, todos os aspectos sócio-culturais, construídos historicamente, que poderiam residir sobre um indivíduo. A título de exemplo, gênero compreenderia os comportamentos, as preferências, os interesses, as formas de se vestir, andar e falar, relacionadas a ‘ser homem’ e ‘ser mulher’. Todos esses aspectos seriam simplesmente somados a um corpo que, por estar preso à “natureza humana”, é imutável, fixo e bipolar, separando o masculino do feminino.
Por mais interessante que essa abordagem possa parecer – vale ressaltar que uma parte significativa das correntes feministas ainda faz uso dessa conceituação de gênero –, ela tem se mostrado absolutamente insuficiente para entender as complexidades das relações de gênero, as heterogeneidades entre as mais diferentes culturas e as riquezas e contradições que se escondem sobre termos tão rotineiros e comuns como homem e mulher, masculino e feminino.