Os conceitos de Self, Individuação e Iluminação
O si-mesmo, também chamado de self´ é o arquétipo central, regulador e unificador da psique (consciente mais o inconsciente). “É incognoscível , um centro virtual de misteriosa constituição e que poderá exigir tudo: parentesco com animais, deuses, com cristais, estrelas, sem que isso nos surpreenda ou provoque desaprovação. Também chamado ´o Deus em nós´ os primórdios de toda nossa vida psíquica parecem surgir inextricamente deste ponto e as metas mais altas e derradeiras parecem dirigir-se para ele.[1] A meta do self é a completude e inteireza psicológicas; tem o caráter de um resultado, uma finalidade atingida só depois de grandes esforços. É a meta da vida. Não é racional e definível. O eu deve se ligar a ele e isso não corresponde a uma oposição ou nem mesmo a uma submissão. É algo transcendente e imutável que “pode ser justificado psicologicamente, mas não demonstrado de modo cientifico”[2], “É a inteireza que transcende a consciência.”[3]
Por isso, numinoso é o “termo descritivo de pessoas, coisas ou situações que têm uma profunda ressonância emocional, psicologicamente associadas a experiências do self.” [4]
Assim, é possível entender que a experiência numinosa, sagrada por isso ‘transcendente, é uma experiência do ´self´, de nossa totalidade.
Intuitivamente os seres humanos sempre estiveram conscientes do ‘self’, este ‘centro organizador’ da psique , “uma espécie de ‘núcleo atômico’ do nosso sistema psíquico…. Os gregos chamavam de ‘daimon’, o interior do homem; no Egito estava expresso no conceito de alma-Ba; e os romanos adoravam-no como o ‘gênio’. Em sociedades primitivas imaginavam-no como espírito protetor. Pode ser definido como um fator de orientação íntima, diferente da personalidade consciente.”[5]
Como podemos perceber, Jung concluiu que o arquétipo da imagem divina e do self não se diferenciam. Assim como o eu é somente o centro da consciência, o self expressa, em sua teoria, a totalidade da personalidade total (uma unidade dos opostos da psique – consciente e o inconsciente)[6], o arquétipo central da totalidade humana, [7] que compreende tanto o consciente como inconsciente[8]. Por ser esse centro da totalidade, é que ele se torna uma meta. Partindo daí, Jung observou também que a experiência psicológica do self e a experiência religiosa (numinosa) são idênticas, pois tem as mesmas bases: a unidade e a totalidade. “A totalidade é, pois, empiricamente, uma dimensão incomensurável, mais velha e mais nova que a consciência envolvendo-a no tempo e no espaço”[9]
Desta forma, as experiências imediatas do eu interior e processos vivos no inconsciente, são características da numinosidade. (Frey-Rohn, 1991, p. 268 -269).
Essas experiência de conteúdos numinosos, ou da totalidade, semelhante à experiência pelo ego do self, estão ligadas ao conceito de individuação.
A Individuação é, para Jung, “a realização da totalidade (que), um processo doloroso da unificação dos opostos“[10], O conflito consciente e inconsciente, realidades anímicas fundamentais, produz esse processo de desenvolvimento, a individuação, um processo sintético de integração do si-mesmo[11], do inconsciente na consciência. Neste caminho, o indivíduo realiza sua totalidade, se auto-realiza, se torna o que sempre foi.[12] A experiência de individuação, o tornar-se si-mesmo, é conduzida pela vivência de “união dos opostos”, contrários que na verdade nunca se separam de fato. [13] Ao mesmo tempo, essa união é sua motivação, sua meta e sua essência.[14] “A individuação é um ´mysterium conictionis´ (mistério da unificação), dado que o si-mesmo é percebido como a união nupcial de duas metades antagônicas e representado como uma totalidade composta”[15] É um processo que concebe “um ´individuum´ psicológico, ou seja, uma unidade indivisível, um todo” que compreende a consciência e também “o campo imprevisível dos acontecimentos inconscientes”[16]. Esse processo de “unificação do homem”[17], de “tornar-se um ser único”, o nosso próprio si-mesmo [self][18], atingindo a ‘individualidade’, nossa singularidade mais íntima e incomparável, “subordina o múltiplo em Uno. Uno porém é Deus, ao qual em nós, corresponde a imago Dei, a imagem de Deus.”[19], Por isso, tal evento é de “caráter numinoso”[20].
Assim, o que consideramos Sagrado, Numinoso, de caráter transcendente, é que aquilo que corresponde a uma ponte ou uma chave para a realidade última, essa união dos opostos.
Outros autores que refletiram sobre o sagrado[21], também exploram suas percepções através da união de ambigüidades (além de sagrado/profano, temível, perigoso/fascinante, como também transgressão/respeito-reverência; impuro/puro; interior/exterior; interdito/permitido; caos/ordem; morte/vida e outros). Porém no que se refere a sagrado, acreditam da mesma forma que é possível unir essas e todas as demais polaridades de opostos, “coincidentia oppositorum”, pois a experiência espiritual sagrada pode ser realizada dinamicamente, assim como a experiência de morte e ressurreição (que é a estrutura mínima de todos os rituais, segundo M. Bloch). Essa noção sacrificial também está em ritos primitivos e tradicionais, pois a morte real ou simbólica sacraliza a vítima, distanciando-a do mundo profano-quotidiano. (R. Girard).
Quando trata da união do indivíduo com a sombra e com a anima (ou animus), ou seja, união com seus opostos, Jung relaciona a experiência de constelação de conteúdos arquetípicos compensadores a uma experiência numinosa.[22] Na discussão sobre o símbolo como um elemento integrador, unificador do consciente com o inconsciente, coloca novamente esse “caráter antitético” como um caráter numinoso[23]. Esses símbolos ´de unificação´ (união de opostos), tem esse caráter de totalidade. Essa totalidade “emprega imagens ou esquemas que exprimem a essência do mundo e da divindade”…esse fato (dessa ´totalidade unificada do homem´… receber o nome de ´Deus´)[24] já demonstra seu caráter numinoso.
Essa unificação dos opostos, Jung chama de ´coniunctio oppositorium´, tirado da filosofia dos alquimistas, e foi muito discutida por eles como base da questão para o entendimento do ´lapis philosophorum´ (pedra filosofal) e a mesma coisa para Jung, no que se refere a ´totalidade psíquica´ do ´si-mesmo´.
Para integrar o que foi dito até agora buscamos as idéias de Ken Wilber que declara: “Desenvolvimento é evolução; evolução é transcendência;… e transcendência tem como o seu alvo final Atman, ou a derradeira Unidade de Consciência em Deus. Todas as viagens são um sub conjunto daquela Viagem maior; todos os desejos e vontades são um subconjunto do Querer maior; todas as acções são um subconjunto da Acção maior. O movimento total é o que chamamos o projecto Atman: o movimento de Deus para Deus, Buddha para Buddha, Brahman para Brahman, levado a cabo inicialmente através da psique humana como intermediária, que tem como resultado o intervalo que vai do catastrófico ao extático”.[25]
Com isso, podemos, agora, finalmente discutir um outro e similar conceito, extremamente necessário para desenvolvermos nossa temática. Este conceito é, talvez, o mais elevado, dentro da visão de transcendência (neste caso transcendência imanente, pois transcende o ‘ego’ eu, mas não vai além de uma realidade interna). Estamos referindo-nos ao que se conhece por Iluminação. Este termo é usado pelas filosofias e religiões orientais, e atualmente, dentro da psicologia integral, para descrever o mais alto, mais superior estágio[26] de consciência. “A Iluminação significa algo como ser um com o todo… é ser um com o que está atemporal, eterno e futuro… é a percepção da unidade com todos os estágios e todos os estados que evoluíram até então, e que existem em qualquer momento dado.”[27] Ë o nível mais elevado de consciência em todas as linhas de desenvolvimento humano, “uma realização completa, total e não dual”.[28] Este estágio é conseguido, ou melhor, despertado, com a transcendência, que é “desprender-se de ou não se identificar com qualquer coisas que surja, … um processo de não-identificação”[29], porém esta não identificação, não corresponde a uma negação, ou alienação. Conforme transcende um nível de desenvolvimento, o indivíduo não mais se identificará com determinados sentimentos ou pensamentos, mas ainda os possui como objetos; não os identificando como pensamentos ou sentimentos de outra pessoa, pois se isso acontece não seria uma transcendência, mas sim uma grave patologia.
Desta forma, como explica Wilber, o desenvolvimento acontece quando se converte o sujeito de 1ª pessoa (‘eu’) em objeto de 1ª pessoa ou possessivo (‘meu’) dentro de uma corrente que ele chama ‘corrente-do-eu’[30]. Assim, iluminado significa ser um com todos os estágios e estados (de desenvolvimento ou evolução) ou melhor, transcender e incluir todos os estágios e estados. Isso também significa que todos os estados e estágios se tornam objeto do sujeito ou que “todos os eus se tornam me do eu seguinte até que haja apenas eu-eu, e o mundo todo seja seu objeto apoiado na palma de sua mão, sem nenhuma dificuldade.” Esse é um processo de des-identificação com tudo para tornar-se um com tudo, “transcendendo e incluindo todo o Cosmo…na percepção não dual”, é ser um com “todas as manifestações do Espírito”, que são, “na realidade, aspectos do meu próprio si-mesmo, do ser mais profundo.” Desta forma o indivíduo torna-se totalmente auto-realizado. “Todos os sujeitos e todos os objetos surgem na grande peça do Self supremo que é eu-eu deste.”[31] Este estado-estágio de iluminação é despertado quando todos os estados e estágios ‘transcenderem-se’ como objetos de seu sujeito; como me e meu do verdadeiro ‘eu’, “o Vazio aberto em que o espírito fala, semelhança não dual com a Divindade deste e de cada momento, o Self-supremo que possui o Cosmo que surge como Uma Impressão.”[32] Este estado e/ou estágio ‘iluminado’ é um estado e/ou estágio de realização plena, de ser um com o Vazio, mas também com toda a Forma, é o limite máximo da realização espiritual totalmente plena e elevada.[33] “Vazio é Liberdade e Forma é Plenitude. A Iluminação é a união do Vazio e da Forma…entender que Vazio infinito é ser livre de todas as coisas finitas, livre de toda dor, sofrimento, limitação, qualidades – a via negativa que leva à liberdade transcendental … além do desejo e da morte, da dor e do tempo, do anseio e do remorso, do medo e da esperança,….livre de todas as qualidades finitas (até mesmo esta). Por outro lado, se ser um com o Vazio é a Liberdade absoluta, ser um com o mundo da Forma é a plenitude absoluta – com todo o domínio manifesto, com o …Corpo da Forma… em toda a sua glória; é descobrir que a eternidade está apaixonada pelas produções do tempo.”[34]
Dentro deste contexto, temos transcendência como um processo de transformação da consciência para um nível/estágio mais profundo e mais desperto, ou seja, a passagem de um nível para outro mais superior e transcender integralmente é chegar no nível mais alto e mais completo de desenvolvimento onde há o despertar total da consciência. Neste momento o indivíduo se torna um ser iluminado. O processo de transcender um nível de consciência acontece naturalmente, mas também é possível acelerá-los. Esse é um dos propósitos de algumas religiões e também de determinadas linhas da psicologia, como veremos a seguir. E é no processo de determinadas práticas que estimulam essa transcendência para os mais altos níveis da consciência, que encontramos as simbologias e representações ‘transcendentes’ das quais estamos preocupados em discutir neste trabalho.
1 c) Os estágios-níveis de desenvolvimento humano e os domínios transpessoais – transcendentes
No primeiro capítulo, na definição de conceitos de individuação e transcendência, começamos a citar alguns termos, como inconsciente, estágios e estados de desenvolvimento da consciência, que são de grande importância para o entendimento dos domínios superiores da consciência, que é o ‘ambiente’ em que ocorrerão certas emanações ou manifestações da consciência que serão discutidas mais adiante.
Sabemos que as percepções, vontades, desejos e ações são funções da consciência. Ela está estruturada entre áreas conscientes e inconscientes e inclui corpo, mente, alma e espírito.
Na concepção de Jung, como já vimos, a meta de uma consciência integrada e desperta envolve a união, integração do inconsciente e consciente. O indivíduo passa pelo processo de individuação, onde vai ocorrendo essa integração, ou seja, conteúdos inconscientes são incorporados e integrados à consciência.
O consciente é o campo que inclui a ‘personalidade empírica’ e o eu que é o sujeito das ações conscientes. Na visão de Jung, o inconsciente abrange tanto conteúdos pessoais como ‘impessoais’ ou coletivos, é o campo dos conteúdos desconhecidos do mundo interior. O inconsciente pessoal é formado pelas partes e conteúdos da personalidade e existência individual, porém o inconsciente coletivo “representa uma condição ou base da psique em geral, universalmente presente e sempre idêntica a si mesma.” Tem como conteúdos os arquétipos.[35]
Na perspectiva de Wilber, o ser humano ‘possui’ um inconsciente base que corresponde a “todas as estruturas profundas que existem como potenciais prontos a aflorar, por meio da recordação em algum momento futuro. Todas as estruturas profundas dadas à humanidade em conjunto – referentes a todos os níveis de consciência, do corpo a mente, alma, espírito, bruto, sutil e causal – estão dobradas ou enroladas no inconsciente base.” Apesar de estarem inconscientes, estas estruturas ‘não estão reprimidas’, pois não foram ainda para a consciência. A evolução ou desenvolvimento corresponde a uma série de transformações hierárquicas que acontecem com o desdobramento dessas estruturas profundas, iniciando pela mais baixa (pleroma e corpo) e finalizando com a estrutura mais elevada (Deus e Vazio). Para que exista somente consciência, todo o inconsciente base deve emergir, assim “tudo é consciência como o Todo”. Durante o desdobramento, uma espécie de recordação, das estruturas profundas é que aparecem e são aprendidas as estruturas superficiais. Essa idéia assemelha-se a de Jung que compreende os arquétipos, que são estruturas profundas, como ‘formas desprovidas de conteúdo’. Esse conteúdo ou estrutura superficial só aparece quando se torna consciente. Somente neste momento, quando projetado, ele possuirá e manifestará uma forma determinada que provém do material da experiência consciente. [36]
Todos herdam as mesmas estruturas profundas básicas, mas aprendem estruturas superficiais individuais que podem ser muito semelhantes ou muito diferentes. O efeito sobre a consciência é mais intenso quando mais emergente está uma estrutura profunda.[37]
Wilber distingue quatro tipos ou estruturas do inconsciente base. Esses processos inconscientes são tanto estruturais como dinâmicos e abrangem as camadas de desenvolvimento.
Primeiramente, menciona o inconsciente arcaico, a estrutura mais primitiva, antiga e menos desenvolvida, porém ainda não reprimida do inconsciente base. Partes dela nem mesmo são desdobradas claramente na consciência, ficam como estruturas profundas rudimentares com pouco ou nenhum conteúdo superficial. Não são produtos da experiência pessoal, são subumanas e por isso, pré-verbais, são ‘heranças arcaicas ou filogenéticas’ que abarcam instintos, formas ou imagens mentais associadas aos instintos. Podem ser desenvolvidas, mas tendem a ficarem inconscientes.
Algumas estruturas profundas, que podem ser coletivas, pessoais, arcaicas ou sutis, podem emergir para a consciência e depois imergir novamente para o inconsciente. Elas constituem o inconsciente imergente, ou seja, elementos pessoais e coletivos que foram conscientizados num momento, mas depois foram afastados da consciência, pois foram seletivamente esquecidos ou forçadamente esquecidos – reprimidos. Esses aspectos reprimidos são a Sombra.
O terceiro tipo é o inconsciente incorporado, o que pode ser chamado também de superego; são ‘aspectos do nível do ego’ inconscientemente identificados, não percebidos objetivamente e que podem ser reprimidos, ou seja, é um sujeito (está identificado como o eu) que precisa ser identificado como objeto (que é o processo de transcendência de nível de consciência). Ele é inconsciente, mas não reprimido, é mais um repressor. Em qualquer nível da consciência, pode ocorrer uma introjeção ou projeção, mas não uma repressão, pois constitui o processo primário que domina as esferas inferiores.
O último tipo de inconsciente é o emergente, que se refere as estruturas profundas superiores, das esferas sutil e causal, ou seja, transpessoais. Elas ainda não emergiram, não foram reprimidas, filtradas ou peneiradas pela consciência. Elas não podem aflorar na consciência enquanto as estruturas inferiores não o forem. São as últimas a se desdobrarem. Elas têm características muito comuns com as estruturas arcaicas, por nunca terem sido conscientizadas ou reprimidas pela pessoa, porém as arcaicas correspondem ao passado e são estruturas inferiores e as outras correspondem ao ‘futuro’ e são superiores. Outra coisa semelhante é que o ego tem força suficiente para reprimir (a emersão) tanto as esferas inferiores como também as superiores. Isso faz com que o subconsciente e o superconsciente fiquem ocultos e isolados. O ego usa defesas para impedir a transcendência, como a racionalização, desacreditando de sua possibilidade ou mesmo acreditando que esse processo é patológico, gerando isolamento ou evitando esta compreensão. Pode-se entender que ‘morrer para o ego é a finalização de tudo’. O indivíduo pode, também se recusar em aceitar valores transcendentes (dessacralização), confundindo estruturas inferiores com as superiores (substituição) ou também em formas de conhecimento ou experiência inferior (contração).
No atual nível de desenvolvimento da humanidade a grande maioria ainda não integrou o inconsciente à consciência, por isso a natureza e a essência desse inconsciente emergente não foi compreendida totalmente, nem ao menos entre as diversas linhas da psicologia. Muitas vezes se confunde sutil e causal com arcaico ou reprimidos, e por isso considerando-os como inconsciente “inferior reemergente… não transpessoal que desce, mas o pré-temporal que sobe”[38]. Isso leva a dificuldades ainda maiores para a transcendência dessa nossa humanidade atual.
Sintetizando, a transcendência, como visto no primeiro capítulo, que é uma diferenciação, desidentificação e integração de estruturas profundas (inconscientes), também é definida como um desdobramento de unidades inferiores para superiores até que atinja uma só Unidade, até todo o inconsciente se abrir como consciência. As estruturas profundas são ‘lembradas’ criando e embasando novas estruturas superficiais, indo das estruturas inferiores a superiores até o despertar da Totalidade.[39]
Essas estruturas profundas, das mais simples, inferiores às mais complexas, superiores e unificadas, vão surgindo ou emergindo na consciência, conforme se diferenciam em cada estágio ou nível de desenvolvimento.
Desta forma, desenvolvimento da consciência envolve a ‘transcendência’ de estágios; do pré-pessoal (pré-convencional), para o pessoal (convencional), e depois para o transpessoal (pós-pessoal – pós-convencional e o pós-pós-convencional) ou também chamados de subconsciente, autoconsciente e superconsciente, assim como de id, ego e espírito.[40] Estes estágios incluem níveis ou ondas de desenvolvimento que são níveis próprios de realização, graus de desenvolvimento ou graus de consciência, estruturas (padrão ou de arquitetura real – quando este nível ou estágio já foi completado, realizado).
Outro elemento importante para o entendimento da consciência humana são os modos de consciência, as linhas ou correntes de desenvolvimento, inteligências ou competências (ex: cognitiva, moral, emocional/afetiva, interpessoal, necessidades, auto-identidade, estética, psicossocial, espiritual, valores), são probabilidades de comportamento. Assim como as linhas, também os chamados tipos (tipos de sexo; feminino e masculino, ou tipos de personalidades – ex Jung, Myers-Brigs, eneagrama), podem estar presentes em qualquer estado ou estágio evolutivo, ou seja, cada estágio tem uma dimensão própria.
Para se alcançar um estágio de desenvolvimento mais elevado é necessário ter se ‘diferenciado e integrado’. Wilber usa como exemplo a diferenciação e a integração – a divisão e a união em duas células e depois em quatro, oito – ocorrida com uma célula zigoto. “uma vez que as extraordinárias diferenciações ocorram, elas podem então ser reunidas num contexto mais profundo e amplo, que revele um verdadeiro mundo holístico integral: o salto para a consciência de segunda ordem pode ocorrer”[41] – mas isso só pode acontecer após o trabalho realizado dos níveis abaixo. A diferenciação é realizada antes da integração. Wilber também define alguns fatores que facilitarão a transformação pessoal. O primeiro deles corresponde a uma estrutura orgânica (e cerebral) que comporte essa reestruturação. Outros fatores são o cenário cultural, as instituições sociais e as bases técnico-econômicas (em todas as áreas), incluindo as comunicações (meios, conteúdos, acesso), que deve apoiar ou ao menos não atrapalhar essa transformação. Porém, o que realmente vai determinar esse desenvolvimento são os fatores internos, mesmo que as estruturas externas sejam muito poderosas, pelas suas características globais e planetárias. A satisfação é o primeiro desses fatores e significa que as necessidades e tarefas básicas do nível anterior foram cumpridas e, assim se estabeleceu uma competência básica. Não necessariamente o indivíduo domina totalmente o estágio anterior, mas consegue viver de forma ‘razoavelmente condizente’ para viver o estágio próximo. É necessário que essa satisfação seja acompanhada de uma certa discordância, uma ‘insatisfação, inquietação, incômodo, frustração profundas’ com o nível anterior. O indivíduo também precisa se rebelar contra as limitações, se cansar delas, deve saber o que quer e o que há a mais a ser apreendido da realidade. Deve-se ter vontade e intenção de mudar e avançar. Só assim pode-se abrir para o próximo estágio, buscando mais profundidade, significado e amplitude de consciência. É uma espécie de desapego pelas realidades do estágio a que ela superou. Para que isso ocorra é preciso uma visão e práticas mais amplas como introspecção, relacionamentos, principalmente com pessoas de níveis mais altos, meditação, terapia e principalmente, uma vivência mais ampla e sua reflexão. [42]
“A medida que a consciência evolui e se desdobra, cada estágio dissipa e desarma certos problemas do estágio anterior, mas em seguida acrescenta novos e recalcitrantes problemas por conta própria..mais complexos e mais difíceis. …. Cada estágio inclui seus predecessores, e em seguida acrescenta suas próprias qualidades definidoras e emergentes…..a evolução significa que novos potenciais, novas maravilhas e glórias surgem a cada novo estágio, embora sejam acompanhados por novos horrores, medos, problemas e desastres”….durante esse movimento, “aquilo que é um todo num estágio torna-se parte do estágio seguinte: átomos inteiros tornam-se partes de moléculas, moléculas inteiras tornam-se partes de células…[43]
Estes níveis são na verdade ondas de desenvolvimento, concebidas de maneira ‘fluídica e entrelaçada’, como espirais. Não são como plataformas ‘rígidas, lineares, como tijolos empilhados, separadas e estanques, mas ondas sobrepostas’. Um nível ou onda transcende, mas também inclui a anterior.[44] São níveis de auto-existência, estruturas psicológicas, sistemas de valores e modos de adaptação. Conforme o ego se desenvolve ‘ao longo da grande espiral da existência’ uma amplitude de ‘mundos’ surgem como possibilidades que incentivam ainda mais essa dinâmica interior, mas também as mudanças em todos os aspectos de sua vivência. A transcendência de um nível para outro é também um envolvimento, pois ao se desdobrarem do eu constituem “capacidades permanentes disponíveis e estratégias de enfrentamento que podem, depois que emergiram, ser ativadas sob condições de vida apropriadas.” [45]
Em cada novo estágio de desenvolvimento, nível de consciência ou de realidade[46], tem-se uma percepção de mundo diferente, mais elevada que a anterior; amplia suas perspectivas e princípios morais; são novas necessidades, dilemas, problemas e também patologias. O indivíduo vai se tornando mais autônomo e integrado[47], passa-se do amoral ao egocêntrico (‘tudo o que eu quero é que é o certo’); do pré-convencional ao sociocêntrico (‘tudo o que o grupo, a trio, o país quer, é o que é certo); do convencional ao pós- convencional (o que é justo para todas as pessoas, independente de raça, cor ou credo) e, finalmente, indo ainda para um estágio mais elevado, o ‘universal espiritual’ (pós-pos-convencional – trans-racional).[48] Essas quatro grandes ondas vão do corpo – sensório-motor (pré-con) para a mente (com e pós-con) seguindo para o espírito (pós-pós-com).[49]
Estas grandes ondas incluem diversos estágios. Wilber retrata oito estágios (níveis) de desenvolvimento, que podem ser expressos em qualquer atividade, ele os chama de ‘meme’. Ele usa o espectro de cores para nomear os níveis. Os seis primeiros são ‘níveis de subsistência’ que constituem as ondas pré-convencionais e convencionais (bege(1) – arcaico-instintivo, simbólico, instinto de sobrevivência; púrpura(2) – mágico-animista, segurança, espíritos ancestrais, auto-protetor, eu; vermelho(3) – deuses de poder, impulsos, egocêntrico, regras, família; azul(4) – ordem mística, propósitos, força da verdade, intencional, absolutista, estabilidade e vida deliberada, conformista, tribo, etnocêntrico; laranja(5) – conquista científica, realização, estratégias, sucesso, ímpeto de luta, autopercepção, sociedade; verde(6) – o eu sensível, ligações humanas, busca igualdade, comunitária, consciencioso, moderno, sociedade de escolha); os outros dois são os ‘níveis do ser’ e o ‘pensamento de segunda ordem’ – pós-convencionais (amarelo(7) – integrativo; flexibilidade de fluidez, integra e sintoniza sistemas, pluralista; turquesa(8) – holístico, sinergia e macrogerenciamento, visão global, vivencial, síntese e renovação, ‘todos os humanos’, autônomo). Para o autor, ainda existem e coletivamente estão em surgimento, mais quatro níveis superiores, transpessoais ou espirituais – pós-pós convencionais (psíquico, sutil, causal, não dual – observador, pós-autônomo, unidade, ‘todos os seres’)[50]
De acordo com as pesquisas de Beck e Cowan[51], 40% das pessoas estão no ‘meme’ azul (4) (com 30% do poder) e 30% no ‘meme’ laranja (5), que são aquelas que detém o poder atual (50%); 10% da população, porém com 15% do poder, estão no ‘meme ’verde’, e menos de 2% das pessoas estão no pensamento de segunda ordem (6% de poder) (com, somente 0,1% em turquesa – 1% do poder), ou seja, dentro da identificação (e classificação) de 8 grandes níveis, mais quatro superiores (que nem se quer ainda consegue-se computar), a humanidade, em sua maioria se encontra entre o quarto e o quinto níveis. Isso talvez explique as causas de tantas desigualdades, tantos sofrimentos, unilateralidades, preconceitos que ainda estão fervilhando no mundo, e mais ainda, a emergente necessidade de se rever e incluir métodos e práticas para acelerar uma ‘transcendência’ de níveis, pois os ‘memes’ em que a grande maioria das pessoas se encontra e que possuem o poder sobre o planeta, são os mais responsáveis pelas grandes calamidades desta era que se finda.
Do ponto de vista social, o estágio púrpura, que é o segundo desta escala de Wilber, reconhece algumas poucas hierarquias, enquanto o vermelho somente compreende hierarquias de força bruta (base dos impérios feudais). Hierarquias sociais rígidas, como da igreja medieval, sistema castas, os impérios feudais com sua intensa estratificação social as primeiras nações são características do estágio azul. O laranja valoriza intensamente a liberdade individual e a igualdade de oportunidades atacando as hierarquias azuis, sendo que para o nível verde elas são realmente contra toda e qualquer terrível forma de opressão social e por isso condena e movimenta-se contra praticamente todos os tipos de hierarquias.[52]. Nos últimos quase quarenta anos, o estágio verde esteve a frente de estudos culturais como o “pluralismo, relativismo, diversidade, multiculturalismo, desconstrução, anti-hierarquia e assim por diante.”[53] “Os ‘memes’ de primeira ordem (pré-convencionais e convencionais) geralmente resistem ao memes de segunda ordem.”, e o meme verde é a ponte para os memes pós-convencionais ou seja, de segunda ordem, onde há mais flexibilidade, facilitando a busca e o alcance de níveis mais altos e profundos.
Outra importante e necessária compreensão é sobre a outra forma de manifestação da consciência; os estados; que são divididos em normais: a vigília, o sonho e o sono profundo; os alterados (por exemplo, pelo uso de drogas), as experiências de pico (por atividades intensas, ouvir uma boa música, contemplar uma obra artística, fazer amor etc) e os meditativos (por ioga, prece contemplativa, meditação etc).
Para cada estado de consciência está relacionado um corpo, ou seja, um modo de experiência, “um componente energético percebido, um sentimento incorporado, um veículo concreto que proporciona o apoio real a qualquer estado de consciência”[54]. Assim, no estado de vigília, estamos experimentando nosso corpo denso (físico, material, sensório-motor); durante o sonho, vivenciamos o corpo sutil (luz, energia sutil, emoções, imagens imaginárias, outras realidades de tempo e espaço) e, finalmente, no estado de sono profundo penetramos numa dimensão de plenitude, onde pensamentos desaparecem e imergimos num grande vazio, além do ego, self, onde há uma expansão de consciência quase infinita, uma experiência muito sutil – o corpo causal – de onde podem surgir muitas possibilidades criativas.[55] Wilber também menciona mais dois estados naturais, um deles é estado de observação (‘o observador’) que corresponde tanto a uma capacidade de observação como também de presença em qualquer um dos outros estados. Essa presença refere-se a uma atenção continua no estado de vigília e também uma lucidez no estado de sonho. O outro é o estado de percepção não dual onipresente, que é, na verdade, “a origem onipresente de todos os estado (e pode ser vivenciado assim)”.[56] Estes estados últimos estão disponíveis a todos os humanos, porém geralmente são mais facilmente vivenciados após determinados tipos de treinamentos, principalmente exercitados, usando a atenção, por meio de técnicas de meditação e contemplação. Wilber cita estudos minuciosos a respeito dessas experiências meditativas das quais foi constado a similaridade dessas práticas, que variavam de treinamentos físicos à “experiências sutis de luz e de Iluminação; absorções plenas ou de ‘estado vazio total de consciência (quase realização) causal, depois uma guinada para a percepção não dual (e então ajustes posteriores ‘pós-iluminação)”. [57] Estes estados podem ser vividos numa experiência ‘de pico’ porém, Wilber salienta que a interpretação dela vai depender do ‘estágio de desenvolvimento’ em que ela se encontra.
Uma pessoa pode ter uma experiência de pico em qualquer estágio ou estado da consciência (estados alterados), assim ela pode em qualquer estágio de desenvolvimento, ter experiências de pico temporários de domínios transpessoais. Com a repetição, estes estados temporários são metabolizados e se convertem em experiências e realizações duradouras e permanentes, constituindo-se estruturas de consciência mais desenvolvidas e holísticas.[58] Essas estruturas de consciência são os estados e os potenciais transpessoais, que passam a ser traços característicos quando se vivencia os níveis superiores da evolução convertemos[59].
Desenvolvendo e Despertando:
Quanto mais superiores são os níveis, mais interiores e profundos eles são que os inferiores, assim, o corpo é interior ao ambiente físico (e social), a mente interior ao corpo, a alma interior a mente, o espírito como uma ‘profundidade’ da alma. Este espírito é o que transcende e ‘abraça’ tudo; o dentro e o fora. Assim, o mais superficial é o eu indiferenciado do mundo material, depois o eu corporal emocional (estágio de separação-individuação) se diferencia das emoções e sentimentos dos outros; em seguida o eu mental ou ego inicial (persona) emerge e se diferencia de seu corpo, seus impulsos, emoções e tenta integrá-los em seu eu ‘recém-conceitual’; aparece aí a ‘mente regra/papel’ que possui a capacidade de adotar o papel de outra pessoa (geralmente papéis arquetípicos disponíveis coletivamente, que são incorporados nas figuras concretas – deuses, heróis- das mitologias em geral, porém não são transpessoais). Aqui a consciência se aprofundou do egocêntrico para o sociocêntrico, do mim para o nós. Começa a surgir, então, uma visão-lógica, abrindo a percepção para ‘preocupações universais e essenciais’, o domínio pessoal está começando a vislumbrar o ‘espírito radiante’, essa radiância ajuda a deixar o eu cada vez mais transparente, isso acontece até ‘descascar’ a última camada do Eu, “abrindo-se para o mais puro vazio; quando a forma final da contração do eu se desdobra no infinito de todo espaço; então, o próprio ‘Espírito’, enquanto percepção sempre presente, se ergue livre da sua própria consonância, que realmente nunca foi perdida, e por isso nunca foi realmente encontrada. Com o choque provocado pelo que é totalmente óbvio, o mundo continua a surgir como sempre fez….sua alma se expande até abarcar todo o ‘kosmos’, de modo que só o Espírito permaneça, como o mundo simples daquilo que é… o sol brilha a partir do interior do seu coração e irradia para o mundo, abençoando-o com graça,… o trovão é o próprio som do seu coração extasiado…na maior das profundezas, o mai simples que existe, e a viagem termina, como sempre o faz, exatamente onde começou.”[60]
Com tudo o que já foi explicado, já se pode compreender que o desenvolvimento integral significa, para Wilber, uma minimização do narcisismo e egocentrismo com uma amplitude da consciência. Isso é caracterizado com a passagem do etnocêntrico-sociocêntrico para uma consciência mundicêntrica, que corresponde a uma competência maior de considerar e se importar com as outras pessoas, lugares e coisas diferentes, ampliando e aprofundando este interesse. Uma consciência mais madura pós-convencional (‘estágio mundicêntrico – de solicitude universal, justiça, misericórdia e equidade’) deixa de perceber e agir com o mundo e com os ‘outros’ como se fossem extensão de si mesmo, para vislumbrar “um mundo nos seus próprios termos, como um eu individualizado numa comunidade de outros eus individualizados, agindo com mútuo reconhecimento e respeito.”[61] Esse desenvolvimento é uma “espiral de compaixão, que vai do eu para o nós e para o todo nós.” Há um aumento da qualidade, uma ascensão da consciência, da alma e do espírito. Esse processo é transpessoal, superconsciente, transcendente; um aumento da liberdade, do espaço, do tempo. [62],[63]
Podemos perceber que despertar ou transcender um nível de desenvolvimento é liberta-se de problemas, patologias físicas e psíquicas, ou seja, sofrimentos, também adquirir mais competências para o despertar de níveis muito mais altos e superiores, possuindo mais autonomia, mais liberdade, igualdade, abrangência, mais compaixão e realidade.
Estes níveis mais altos, mais sutis de desenvolvimento, ou seja, os espirituais, estão presentes em qualquer linha de desenvolvimento.
Como vimos, essas correntes, módulos ou linhas de desenvolvimento (ex: cognitiva, moral, interpessoal, espiritual, afetiva, auto-identidade, habilidades cinestésicas, identidade sexual, competência lógico-matemática, visão – de mundo, ética, de comunicação, artística, etc) fluem de todos os níveis de desenvolvimento porém de forma independente’. Para Wilber, Um indivíduo pode estar, simultaneamente, em níveis diferentes em várias correntes, ou seja, num alto nível em determinada linha, mas ter um baixo desenvolvimento em outra.[64]
Na dimensão sutil, há total interação entre as diversas correntes de desenvolvimento, são “mutuamente emergentes e dominantes”. As consciências individuais interagem com o próprio corpo, com as consciências culturais e com o corpo social coletivo. Já na visão não-dualista, não monista, nem dualista, “porque não afirma que a mente e o corpo (energia e matéria; sem forma e forma; feminino e masculino; bem ou mal) “sejam dois aspetos da mesma realidade subjacente, pois a Realidade, na sua ausência de forma, não tem aspectos. Não é uma realidade psico-física, pois esses aspectos, não obstante, têm diferenças relativamente reais e irredutíveis. Nem é um interacionismo tradicional, pois os quadrantes, embora relativamente reais, pertencem ainda ao mundo de maya.”.[65]
Porém, quando referimo-nos a um domínio superior da consciência, ou espiritual ou ao fenômeno da espiritualidade, estamos incluindo alguns aspectos[66]:
– Os níveis mais elevados de qualquer linha de desenvolvimento: níveis pós-convencionais e pós-pós-convecionais de qualquer linha seriam, por exemplo, na cognitiva, a intuição transracional; na afetiva, o amor transpessoal; na moral, compaixão transcendental; na linha do Eu, o eu transpessoal ou Testemunha supra-individual. São os motivos mais nobres, as mais elevadas capacidades, aspirações, alcances;
– Uma linha específica: uma linha especial com seus próprios estágios que Wilber apresenta, de acordo com muitas evidências interculturais, a existência de, pelo menos, quatro tipos (experiências espirituais): misticismo natural (psíquico – união com a teia da vida), misticismo da divindade (sutil – iluminação sutil), sem forma (causal – absorção sem forma) e não-dual (união não dual), que são “ondas de crescente profundidade. Quando experiências de pico ou meditativas são repetidamente vivenciadas, geralmente de natureza religiosa pode levar a um estágio e não só a estados superiores. Pesquisas afirmam que no nível turquesa aflora-se um ‘verdadeiro misticismo da natureza’ e a partir daí os demais.[67];
– Uma experiência de pico superior (e não estágio): refere-se a ‘experiências’ espirituais ou religiosas, meditativas ou culminantes, mas apenas estados e não estágios;
– Uma atitude superior que se pode ter em qualquer estágio que esteja: é uma atitude especial presente em qualquer estágio ou estado (amor, sabedoria, compaixão), porém há estágios para o amor, para a sabedoria etc…assim, mesmo sendo a visão mais popular sobre espiritualidade, não é muito eficaz para definir ‘espiritualidade’ no contexto que buscamos.
São os três primeiros aspectos da espiritualidade (espiritualidade como os estágios mais superiores em todas as linhas, como uma linha particular e como estados sutis da consciência) que iremos usar neste trabalho, conforme o que já foi comentado, pois estamos preocupados em discutir determinadas imagens e representações que se manifestam das dimensões mais sutis (mais interiores e superiores) da consciência; de estados e de estágios superiores, transpessoais ou transracionais, ou seja, pós-convencionais (mental superior) e, principalmente pós-pós convencionais (espírito). Essa escolha é porque acreditamos que, já que são emanadas destes níveis, essas imagens e representações podem, mais efetivamente, ajudar a condução para a real libertação, plenitude e iluminação.
1. d) Arquétipos e os símbolos numinosos
Ao final de cada estágio de desenvolvimento, complexas transformações (transcendências) do nível anterior geram um novo ‘modo do eu’, assim como um novo senso de realidade. Cada nova transformação acompanha algum tipo de estrutura simbólica.
A evolução é esse movimento que passa da inconsciência para a consciência. Esse caminho é uma trilha de transformações seriais e ascensão da libido ou energia psíquica, sendo que esse mecanismo transformador de energia é o símbolo, ou formas verticais da consciência. Os símbolos são mediadores neste movimento de mudanças da estrutura profunda.
Wilber descreve diversos tipos e estruturas simbólicas: “as formas urobóticas, a imagem axial, a imagem concreta, a palavra-e-nome e o conceito. Essas estruturas têm capacidade de produzir um tipo diferente de representação. Cada representação está associada a um tipo de transformação da consciência.
Essas estruturas profundas são lembradas, nunca aprendidas, mas descobertas.[68] Quando uma estrutura emergente de ordem superior é introduzida na consciência, o eu se identifica com ela e age a partir daí. Isso se segue até que o eu acaba também por se desidentificar com esta que é a atual estrutura e identifica-se então com a próxima, mais superior. É importante entender que o ego não descarta aquela estrutura, ele apenas pára de se ‘identificar exclusivamente’ com ela e assim, pode transcendê-la. Este processo permite que, agora, o eu possa atuar livremente sobre a estrutura transcendida (mas não descartada), “usando os instrumentos da estrutura recém-surgida”. O eu vai se ‘lembrando’, transcendendo e integrando cada vez mais, até poder atingir e ‘existir’ apenas como Unidade, como desde o começo[69] dos tempos.
A ‘produção de unidades sempre superiores’ tem o mesmo objetivo, tanto para o desenvolvimento psicológico humano, como para a evolução natural. “A Unidade final é Buda, Deus ou Atman…. cada etapa …busca a Unidade absoluta. “[70]
Como se pode perceber, com o que foi dito nos capítulos anteriores e agora, a Unidade ou realidade absoluta “assume estruturas e formas de todas as espécies no desenvolvimento humano, do mais baixo ao mais elevado”. Sob a pressão desse desenvolvimento, em busca da libertação, essas estruturas da consciência são criadas e depois abandonadas, moldadas e finalmente transcendidas, sucessivamente. Elas são criadas para ‘substituir’ essa Unidade, esse ‘Tudo superconsciente’. São “sujeitos substitutos, objetos substitutos, recompensas substitutas, sacrifícios substitutos, projetos de imortalidade, intenções cosmocêntricas, sinais de transcendência’; são substitutos simbólicos. Somente após a desidentificação e a integração de todas essas estruturas ou unidades substitutas é que existirá apenas a Unidade.[71]
Essas estruturas simbólicas não só tem origem inconsciente, como constituem a essência do inconsciente coletivo. Elas são também chamadas por Jung de arquétipos e são elementos essenciais do processo de individuação.
Jung usou, primeiramente, o termo arquétipo para nomear as “determinadas formas da psique, que estão presentes em todo tempo e lugar… são motivos ou temas…pensamentos elementares….’forma’ preexistente”[72], …‘imagens arcaicas’, não racionais, herdadas coletivamente, filogeneticamente, ‘a percepção do instinto a respeito de si mesmo’. Para ele, essas imagens são encontradas na mitologia de diversas culturas, pois são primordiais; apareceram desde os tempos mais antigos. Essas imagens universais e representações coletivas são “figuras simbólicas da cosmovisão primitiva”; mas são, essencialmente, conteúdos psíquicos inconscientes que ainda não foram elaborados pelo consciente, “um dado anímico imediato”. Elas vão se modificando conforme são conscientizadas e sofrem mudança na percepção dos indivíduos. Assim, elas assumem “matizes” diferentes para cada consciência individual que a manifesta.
Por essas razões, tais imagens se relacionam com mitos, contos de fada e histórias encontradas em ensinamentos esotéricos. São ‘idéias…que não são formadas, mas estão contidas na inteligência divina”[73], “elementos vazios e formais em si,…apenas uma possibilidade dada a priori da forma da sua representação, o que é herdado não são as idéias, mas as formas, as quais sob esse aspecto particular correspondem aos instintos igualmente determinados por sua forma…. possuem uma variedade de aspectos…e podem ter um sentido positivo, favorável, ou negativo e nefasto”[74] É importante deixar claro que as imagens primordiais (chamadas por Jung de arquétipos) são apenas “tendências’ para formar as representações de um motivo e não as próprias representações definidas. As representações com muitas variações de detalhes e formas estáticas possuem como origem uma ‘tendência instintiva’, padrões dinâmicos, arquétipos, que não correspondem a um impulso fisiológico, porém, podem manifestar-se como, por meio de impulsos, também espontâneos, como fantasias, sonhos, visões, através de imagens simbólicas.[75] Essas tendências instintivas são representadas pelos arquétipos, que são as formas de pensamento correspondentes. Eles dirigem o inconsciente.[76] As mais importantes idéias da humanidade estão sempre moldadas sobre essas imagens primordiais, como ‘a planta de um projeto’. Para Jung, sua origem seriam as experiências repetidas em toda história da humanidade. “O arquétipo é uma espécie de aptidão para reproduzir constantemente” idéias míticas idênticas ou similares. O inconsciente fica ‘impregnado’ de uma “idéia da fantasia subjetiva provocada pelo processo físico’, não só das experiências comuns sempre repetidas, mas também podem existir como forças ou tendências para repetir essas experiências. Elas são freqüentes em sonhos, fantasias ou mesmo podem aparecer na vida comum, porém carregam uma ‘influência’ específica e até mesmo um poder numinoso e fascinante que leva o indivíduo a agir de acordo com o aspecto dessa ‘idéia’.[77] Ainda dentro do conceito junguiano, os arquétipos, como todos os conteúdos numinosos, são autônomos”[78], transcendentes e também podem ser vistos como sobrenaturais e metafísicos[79]. São fatores autônomos correspondentes de um funcionamento psíquico pré-consciente.[80] Assim como possuem iniciativa própria, também são dotados de energia específica e por isso mesmo, e até pelo seu estilo simbólico, podem interferir e interpretar situações diversas, funcionando como complexos, dificultando, modificando e perturbando as intenções conscientes dos indivíduos. Sua energia exerce grande fascínio, criando também mitos, religiões e filosofias em todas as épocas e lugares.[81] “Quase toda a vida do inconsciente coletivo foi canalizada para as idéias dogmáticas de natureza arquetípica, fluindo como uma corrente controlada no simbolismo do credo e ritual. Ela manifesta-se na interioridade da alma do (religioso).” Em toda a história da humanidade encontramos muitas dessas ‘imagens poderosas’, que eram reconhecidas como protetores ou curadores mágicos daquilo que perturbava a alma. Essas figuras do inconsciente são manifestação das camadas mais profundas do inconsciente. Estão além das fantasias de ‘reminiscências pessoais’[82] e não são ‘preenchidas’ por não terem sido vividas pessoalmente pelo indivíduo. Os arquétipos somente aparecem ou despertam quando “a regressão da energia psíquica ultrapassa o próprio tempo da primeira infância, penetrando nas pegadas ou herança da vida ancestral”. Este é o momento do processo de desenvolvimento psíquico em que o indivíduo encontra o seu mundo interior. Os conteúdos antes inconscientes, que agora são ‘expelidos da psique para o espaço cósmico’[83], muitas vezes, são extremamente contrários às antigas e fortes convicções do indivíduo.[84] “A experiência do arquétipo é freqüentemente guardada como um segredo mais íntimo, visto que nos atinge no âmago. É uma espécie de experiência primordial do não-eu da alma, de um confronto interior, um verdadeiro desafio.”[85]
“O inconsciente coletivo é uma figuração do mundo, representando a um só tempo a sedimentação multimilenar da experiência. Com o correr do tempo, foram-se definindo certos traços nessa figuração. São os denominados arquétipos ou dominantes – os dominadores, os deuses, isto é, configurações das leis dominantes e dos princípios que se repetem com regularidade à medida que se sucedem as figurações, as quais são continuamente revividas pela alma.” Essas figurações são extremamente semelhantes ou mesmo réplicas dos acontecimentos psíquicos. Os arquétipos são características gerais encontradas nas experiências semelhantes repetidas, também podem ser certas características gerais físicas. “Este é o motivo pelo qual é possível transferir figurações arquetípicas, como conceitos ilustrativos da experiência diretamente ao fenômeno físico outra idéia universalmente difundida.” Por também estar relacionado a esses fenômenos físicos, os arquétipos são projetados, manifestando-se em pessoas que estão em nossas vidas, modificando suas reais características. Isso é o que leva a pessoa a perceber as pessoas e mundo de forma diferente a sua real essência e, assim, desenvolver sentimentos polarizados de apego ou de repulsa, gerando assim os relacionamentos perturbados e sofrimentos, até mesmo “fanatismos e loucuras’.[86] “Assim como um aparelho cinematográfico projeta uma imagem que está atrás do espectador na tela à sua frente – o ‘plano da projeção’- da mesma forma os conteúdos do inconsciente são inicialmente ‘projetados’ indiretamente como conteúdos do ‘mundo exterior’ e não vivenciados diretamente como conteúdos do inconsciente.”[87] Desta forma, um arquétipo não será percebido pela pessoa como parte dela, mas sim, como existente no mundo exterior a ela. Eles também aparecem em sonhos e também são vivenciados como ‘conteúdos de fora’, e não como ‘conteúdos psíquicos’ realmente. (???A individuação é um processo de realização de todos esses arquétipos, compreendendo sua verdadeira natureza interior; percebendo-os como estruturas interiores e não exteriores, ou seja são exteriores enquanto projeções de nossa psique)
É importante também entender que esses conteúdos do inconsciente coletivo não são só os “resíduos de modos arcaicos de funções especificamente humanas”, mas também incluem funções do aspecto animal do homem. Quando esses resíduos são ativados podem interromper ou mesmo fazer regredir o desenvolvimento. Isso só mudará se esse aspecto da energia, que foi ativada pelo inconsciente coletivo, for totalmente consumido. Para recuperar a energia, a consciência deve confrontar o inconsciente coletivo.[88]
Um arquétipo possui a sua energia específica que não é perdida, mesmo que seja ignorado para a consciência. “As representações coletivas têm uma força dominante e, portanto, não é de surpreender que sejam reprimidas por intensa resistência. Em estado de repressão elas não se ocultam através de qualquer insignificância, mas de idéias ou de figuras que são problemáticas por outros motivos e que intensificam e complicam sua natureza dúbia.”[89]
Sintetizando, no processo involutivo, e depois evolutivo, há muitas transformações; mudanças da estrutura profunda, ou seja, estruturas de origem e essência inconscientes coletivas são ‘criadas’, substituindo a Unidade primordial, onde se englobam todos os sujeitos, objetos, fenômenos. Depois elas são moldadas e transcendidas; o ego-eu identifica-se, depois desidentifica-se e finalmente integra-se a elas, até a Unidade. Estas estruturas são mediadas por símbolos-formas que são tanto dos baixos como dos altos níveis de desenvolvimento humano.
Símbolo é “aquilo que, por um princípio de analogia, representa ou substitui outra coisa… do lat. Symbolum, deriv. do grego symbolon”[90]
O símbolo expressa uma realidade sutil, um reino entre a matéria e o ‘espírito’, por isso ele “não é abstrato, nem concreto, nem racional, nem irracional, nem real, nem irreal. É sempre as duas coisas.”[91] O símbolo tem a função compensadora. Uma situação consciente ‘mais ou menos inadequada’ ou seja, que ‘não preenche seu lugar’, é completada pelo símbolo, para que haja uma totalidade. Mas para isso, eles devem ser compreendidos e nunca reduzidos, ou seja, não se pode tentar interpretar absolutamente seu sentido.[92] Quando há uma regressão da consciência, como uma neurose, o símbolo ajuda a compensar essa energia, porém a mudança no indivíduo só ocorrerá se este símbolo for compreendido objetivamente.[93]
Qualquer símbolo corresponde a “um sinal visível de uma realidade invisível, ideal. Portanto, no símbolo observam-se dois níveis: em algo externo, pode -se revelar algo interno, em algo visível, algo invisível, em algo corporal, o espiritual, no particular, geral.”[94]
Por essa razão é que os “sintomas físicos e psíquicos não são mais do que manifestações simbólicas de complexos patogênicos. Complexos são uma coleção de várias idéias e vivências com uma totalidade afetiva, os quais em conseqüência de sua autonomia, são relativamente independentes do controle central da consciência e a qualquer momento são capazes de cruzar ou contrariar as intenções conscientes do indivíduo. Assim, uma nova personalidade mórbida é gradualmente formada, cuja tendência, julgamentos e resoluções se movem somente na direção do desejo de ficar doente. Esta segunda personalidade devora o que resta do ego normal e o força ao papel do complexo secundário”[95].
Os símbolos são importantes para o ser humano porque correspondem a imagens ou representação de coisas ou fenômenos que são ainda desconhecidos. “Trata-se de uma entidade viva e orgânica que age como um mecanismo de libertação e transformação de energia psíquica.”[96] Além disso, determinados símbolos são representações de fenômenos muito sutis e essenciais no processo de desenvolvimento, como a harmonização do consciente com o inconsciente que, por não acontecer de modo racional, utiliza-se desses símbolos.[97]
Jung separa os símbolos em naturais e culturais. Os naturais são aqueles que derivam dos conteúdos inconscientes que “representam um número imenso de variações das imagens arquetípicas essenciais,…podemos chegar às suas origens arcaicas (encontradas em antigos registros e primitivas sociedades)”. Os símbolos culturais são aqueles que sofreram muitas transformações, elaborações e reelaborações, às vezes conscientes. Assim, acabaram por ser aceitas como imagens coletivas. Alguns podem, às vezes, promover reações psíquicas muito fortes, pois possuem uma certa ‘numinosidade original ou ‘magia’’. Essa ‘carga psíquica’ acaba por manifestar-se como conceitos até mesmo radicais e inflexíveis. Esses símbolos já foram e são ainda usados para expressar dogmas em muitas religiões, também “constituem-se em elementos importantes da nossa estrutura mental e forças vitais na edificação da sociedade humana”.
Em muitos casos, um símbolo ou arquétipo específico é reprimido pelo indivíduo ou mesmo por toda uma sociedade. Quando isso acontece a sua energia esconde-se no inconsciente gerando conseqüências desastrosas. Esta energia psíquica pode “reviver e intensificar” algumas tendências, que ainda estão inconscientes, não tiveram oportunidade ou ‘autorização’ para expressar-se no consciente. Essas tendências vão se constituindo como ‘sombras’, e por isso “potencialmente destruidoras. Mesmo as tendências que poderiam, em certas circunstâncias, exercer uma influência benéfica, são transformadas em demônios quando reprimidas.”[98]
O símbolo revela alguns aspectos profundos da realidade “que desafia, qualquer outro meio de conhecimento”. Os símbolos, suas imagens, seus mitos, são criados pela psique para satisfazer a necessidade, mesmo ‘inconsciente’, de “trazer à luz as modalidades ocultas do ser.”[99] E com isso induzir a “reconciliação e união dos elementos antagônicos da psique”[100] Por isso eles são os portais necessários à superação e eliminação desses antagonismos e discussões entre os conteúdos do inconsciente e do consciente, existentes no processo de individuação.[101]
O símbolo indica um significado que está fora do alcance da racionalidade e da linguagem. Percebemos isso na linguagem dos sonhos. Ela é arcaica, espontânea, vai além da percepção consciente. Essa mesma linguagem dos sonhos, fantasias e pesadelos pessoais, encontramos nos contos de fada, em mitos e lendas, da qual, muitas vezes, se misturam, pois estão associados às relações e realidades mais profundas do ser e por isso, podem conduzir a “fontes e significados” que possibilitem relacionar as vidas conscientes “às próprias estruturas míticas pessoais.”[102]
Jung percebeu que o conjunto de determinados comportamentos externos estão intimamente ligados a diferentes arquétipos. Ele identificou alguns arquétipos e símbolos que além de refletirem as experiências universais da vida, como nascimento, casamento, maternidade, separação e morte, se relacionam à estrutura da própria psique e são percebidos na relação com a vida psíquica. Esses arquétipos influenciam e até mesmo perturbam mais o eu. Eles se revelam por meio de figuras como a sombra, anima/animus, velho(a) sábio (a), self e outras, que são representadas sob diversas formas-imagens. Cada um desses arquétipos são heranças de certas imagens coletivas que se tornam conscientes com a vivência e relacionamentos. Todas essas figuras têm um lado luminoso e um lado sombrio. (Quando há repressão de um arquétipo ele pode, no futuro, manifestar-se com uma força ainda maior.)
Como se pode perceber, Jung não diferencia totalmente ‘arquétipos’, porém destaca alguns arquétipos e símbolos que surgem nos níveis mais altos do processo de individuação, onde há uma maior interação entre o eu e o Self. São os arquétipos ou símbolos de transcendência que possuem sentidos mais profundos e abrangentes. (pg 151 homens e seus símbolos))…………
Apesar de perceber algumas diferenças sutis entre imagens pré-racionais, como para as pós-racionais, Jung nomeou todas de Arquétipos e por isso acreditava que, tanto umas como as outras, podiam ser fontes diretas de percepção espiritual.
A origem da palavra ‘Arquétipo’ remota a Platão, Plotino, Agostinho e seu sentido também foi usado pela filosofia perene. Arquétipo (do grego – arché: principal ou princípio, também está relacionado a comando, chefia. ) significa padrão, modelo, protótipo, assim é o ‘primeiro modelo de alguma coisa’, ou seja, termo usado para designar as idéias como modelos de todas as coisas existentes, segundo Platão. Para os teístas o termo indica ‘idéias presentes na mente de Deus’. A confluência entre neoplatonismo e cristianismo, termo arquétipo acabou sendo difundido por Agostinho, provavelmente influenciado pelos escritos de Porfírio, um discípulo de Plotino.
Na atualidade, outros filósofos e cientistas da psique voltam a discutir e especificar essa idéia. Para WIlber, o termo ‘arquétipo’ é um pouco diferente daquele usado por Jung (que os define como as tendências estruturais invisíveis dos símbolos, de qualquer símbolo). Wilber separa essas imagens, chamando as arcaicas de ‘protótipos’, por serem formas pré-racionais, mágicas e míticas, e deixa o termo ‘Arquétipo’ apenas para as formas transracionais, sutis, pós-convencionais.
“Os papéis míticos arquetípicos são herdados coletivamente, porém…em sua maior parte, não são transpessoais….são simplesmente parte das muitas ‘subpersonalidades’ que podem existir (num) nível mítico pré-formal do desenvolvimento da consciência…. Alguns ‘arquétipos superiores’, tais como o Sábio Ancião, a Anciâ e a Mandala, são, às vezes, símbolos dos domínios transpessoais, mas não veiculam necessariamente a experiência direta desses domínios.[103] Os arquétipos míticos são simplesmente personas que adotam papeis operacionais concretos.”O processo de ‘objetificar’ esses papéis míticos com freqüência empenha nisso a Testemunha, e a Testemunha pós-formal – não os papéis míticos pré-formais – é, de fato, transpessoal. [104]
Jung também definiu arquétipos como ‘estruturas profundas, formas destituídas de conteúdo’, que Wilber concorda em parte, porque estruturas-formas sem conteúdo, para ele, estão presentes em todos os níveis da consciência, mas ele só identifica imagens arcaicas nos níveis inferiores e o termo Arquétipo somente nos níveis superiores e os dois tipos de imagens são formas sem conteúdo enquanto potenciais. Já o terceiro conceito usado por Jung para arquétipos corresponde mais ao usado pela filosofia perene, por Wilber, que entende esses arquétipos como ‘as primeiras formas de involução… as primeiras formas surgidas do Sem-forma (abismo causal), sobre as quais todas as outras formas se apoiaram – são as ‘arqueformas’ … formas mais elevadas de nossas próprias possibilidades, mais profundas de nossos próprios potenciais – mas também as últimas barreiras ao Sem-forma e a Não-dualidade…são as primeiras (e mais antigas) formas de involução ou manifestação (ou distanciamento da Fonte causal), … são as últimas ( e mais elevadas) formas de evolução, ou retorno à Fonte… são as primeiras formas que a alma recebe, enquanto se contrai diante do infinito e esconde sua própria natureza verdadeira, mas também são, por essa mesma razão, os faróis mais elevados no retorno ao Sem-forma, e a barreira final a ser desconstruída no limiar do infinito radiante.[105] “São formas primordiais que se encontram nas fronteiras entre o não-manifesto causal e a primeira manifestação de nível sutil….são formas sutis, iluminações, correntes energéticas, afetos extremamente sutis..as primeiras formas do ser segundo as quais todos os seres inferiores serão moldados; as primeiras formas de afeto, das quais todos os sentimentos inferiores serão um tênue reflexo; as primeiras formas de consciência manifesta, das quais toda cognição inferior será um pálido reflexo; as primeiras formas de iluminação, das quais todo o entendimento inferior será uma vaga sugestão; as primeiras formas de som, das quais todos os sons inferiores serão um eco vazio….os verdadeiros arquétipos são Formas de nosso potencial mais elevado, as Formas de nossa verdadeira natureza, chamando-nos para que nos lembremos de quem e do que somos na realidade. E em seu último ato, elas são postas de lado, e desconstruídas – a escada que, tendo sido útil, é posta de lado, e em seu lugar, fica o radiante infinito que brilha desde sempre, através e além dessas mesmas formas.” [106]
Essas arqueformas, ou seja, arquétipos verdadeiros, são as primeiras formas do início da involução (ou inicio da manifestação – as últimas na evolução) são opostas as imagens arcaicas, que são as primeiras no início da evolução (ou final da manifestação – as últimas na involução).
São esses arquétipos que constituem o nosso objeto de pesquisa, ainda especificamente os arquétipos femininos ou arquétipos ‘superiores’ femininos; formas ou imagens psíquicas simbólicas femininas de caráter de transformação ou transcendência. Formas que por pertencerem aos níveis mais sublimes e superiores da consciência, quando identificadas (integradas) pelo eu, funcionam como portais para a realização da verdade última, da libertação e iluminação total da consciência.
[1] Jung, O Eu e o Inconsciente Coletivo pg 112
[2] Jung, O Eu e o Inconsciente Coletivo pg 112
[3] Jung, Os arquétipos e o inconsciente coletivo pp 165
[4] SHARP, D. Léxico Junguiano: Dicionário de termos e conceitos. São Paulo: Cultrix, 1997, p. 113.
[5] Jung, O Homem e seus símbolos, pp 161, 162
[6] Jung, C. G. (1975). The archetypes and the collective unconscious. Pg 187 ver tbem 270
[7] Jung, C. G. (1975). Memórias, sonhos, reflexões. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira.
Jung, C. G. (1975). The archetypes and the collective unconscious.In The collected works of C. G. Jung, (Vol. 9i). Princeton: Princeton University Press. Originalmente publicado em alemão em 1954.
[8] Jung, Psicologia e alquimia pp 51 – Ver pg 233
[9] Jung, Os arquétipos e o inconsciente coletivo pp Pg 178
[10] Jung, Os arquétipos e o inconsciente coletivo pp 379
[11] Jung, Os arquétipos e o inconsciente coletivo pp 380
[12] Jung, Os arquétipos e o inconsciente coletivo pp 49
[13] Jung, Os arquétipos e o inconsciente coletivo pp 113
[14] Jung, Estudos Alquímicos, pp 248-249
[15] Jung, Aion, pp 59-60
[16] Jung, Os arquétipos e o inconsciente coletivo pp 270
[17] Jung, Aion, pp 161
[18] Jung, O Eu e o Inconsciente Coletivo pg 49
[19] Jung, Os arquétipos e o inconsciente coletivo pp 348
[20] Jung, Psicologia e alquimia pp 502
[21] (além de Durkheim e Otto a Eliade e Jung – como numinoso, também Caillois, Bastide e Girard)
[22] Jung, Estudos Alquímicos, pp 319
[23] Jung, Aion, pp 170
[24] Jung, Aion, pp 186,
[25] Wilber, Ken. O Projeto Atman pp ????
[26] Ver no capitulo 2 a explicação de estados e estágios de consciência
[27] Wilber, Ken. Espiritualidade Integral PP 294, 127
[28] Wilber, Ken. Espiritualidade Integral PP 143
[29] Wilber, Ken. Espiritualidade Integral PP 167
[30] Wilber, Ken. Espiritualidade Integral PP 167
[31] Wilber, Ken. Espiritualidade Integral PP 170
[32] Wilber, Ken. Espiritualidade Integral PP 183
[33]Wilber, Ken. Espiritualidade Integral PP 301
[34] Wilber, Ken. Espiritualidade Integral PP 295-296
[35] Jung, C.G. Aion, pp 1 a 6
[36] Wilber, Ken. O Projeto Atman PP 104 a 106
[37] Wilber, Ken. O Projeto Atman PP 106
[38] Wilber, Ken. O Projeto Atman PP 104 a 114
[39] Wilber, Ken. O Projeto Atman PP 115
[40] Wilber, Ken. Psicologia Integral PP 15 e ????
[41] Wilber, Ken. Uma Teoria de Tudo, PP39
[42] Wilber, Ken. Uma Teoria de Tudo, Pg 43 a 45
[43] Wilber, Ken. Psicologia Integral PP 169 a 171
[44] Wilber, Ken. Uma Teoria de Tudo, PP53 e 54
[45] Wilber, Ken. Psicologia Integral PP 62
[46] Wilber, Ken. Psicologia Integral PP
[47] Wilber, Ken. Psicologia Integral PP 55 e 59
[48] Wilber, Ken. Psicologia Integral PP 59, 60
[49] Wilber, Ken. Psicologia Integral PP 44
[50] Wilber, Ken. Psicologia Integral PP63 a 68 e Espiritualidade Integral PP 88 e 114 e Wilber, Ken. Uma Teoria de Tudo, Pg 53
[51] Wilber, Ken. Uma Teoria de Tudo, 19 a 24
[52] Wilber, Ken. Uma Teoria de Tudo,pg 35
[53] Ken. Uma Teoria de Tudo, PP25
[54] Wilber, Ken. Espiritualidade Integral PP 31
[55] Wilber, Ken. Espiritualidade Integral PP 32
[56] Wilber, Ken. Espiritualidade Integral PP 101
[57] Wilber, Ken. Espiritualidade Integral PP 104
[58] Wilber, Ken. Psicologia Integral PP 152 e nota na 287
[59] Wilber, Ken. Psicologia Integral PP 30
[60] Wilber, Ken. Psicologia Integral PP 118 a 124
[61] Wilber, Ken. Uma Teoria de Tudo, PP31
[62] Wilber, Ken. Psicologia Integral PP 84 PP127
[64] Wilber, Ken. Uma Teoria de Tudo, PP52
[65] Wilber, Ken. Psicologia Integral PP 255
[66] Wilber, Ken. Psicologia Integral PP 147 e Espiritualidade Integral pp133
[67] Ken. Uma Teoria de Tudo, PP134 e 136
[68] Wilber, Ken. O Projeto Atman pp 55 a 60
[69] Wilber, Ken. O Projeto Atman pp 101 a 103
[70] Wilber, Ken. O Projeto Atman pp 122 e 123
[71] Wilber, Ken. O Projeto Atman PP 129 a 133
[72] Jung, Os arquétipos e o inconsciente coletivo pp 53
[73] Jung, Os arquétipos e o inconsciente coletivo pp 16, 17
[74] Jung, Os arquétipos e o inconsciente coletivo pp 91 e 92
[75] Jung, O homem e seus símbolos, pp67 e 76
[76] Jung, O homem e seus símbolos, PP 78
[77] Jung, ,Psicologia do inconsciente PP 61 e 62
[78] Jung, Os arquétipos e o inconsciente coletivo pp 49
[79] Jung, Os arquétipos e o inconsciente coletivo PP 122
[80] Jung, Estudos Alquímicos, PP 239
[81] Jung, O homem e seus símbolos, pp79
[82] Jung, ,Psicologia do inconsciente PP57
[83] Jung, Os arquétipos e o inconsciente coletivo pp 23
[84] Jung, ,Psicologia do inconsciente PP 69
[85] Jung, ,Psicologia do inconsciente PP70
[86] Jung, ,Psicologia do inconsciente PP85 e 86
[87] Neumann, Erich, A Grande Mãe, p 32
[88] Jung, ,Psicologia do inconsciente PP 89
[89] Jung, Os arquétipos e o inconsciente coletivo PP 75
[90] Dicionário Etmológico – Nova Fronteira da língua portuguesa – Antônio Geraldo da Cunha p (ver tbem pg)
[91] Jung, ,Psicologia e Alquimia PP 295
[92] Jung, ,Estudos Alquimicos PP 294
[93] Jung, ,Estudos Alquimicos PP 339
[94]Kast, Verena, A dinâmica dos símbolos, São Paulo, Loyola, 1997, p.19
[95] Jung, Obras completas, vol 2 727 e 821
[96] Edinger, Edward F. Ego e Arquétipo PP 156-158
[97] Jung, Os arquétipos e o inconsciente coletivo pp 282
[98] Jung, O homem e seus símbolos, pp93
[99] Eliade, Mircea. Imagens e Símbolos…pp (em proj atman wilber pp74)
[100] Jung, O homem e seus símbolos, pp99
[101] JACOBI, Jolande. Complexo, Arquétipo e Símbolo. 10. ed. São Paulo: Cultrix, 1995. Pp 10
[102] Whitmont, Edward C. Retorno da Deusa, pp23
[103] Wilber, Ken. Psicologia Integral PP 120
[104] Wilber, Ken. Psicologia Integral PP 270
[105] Wilber, Ken. O olho do espírito PP 221
[106] Wilber, Ken. O olho do espírito PP293, 294