Grandes Mulheres e Rainhas Africanas
Fonte: https://www.ufrgs.br/africanas/indice-alfabetico/
Nefertiti (século XIV a.C.)
Consorte real de Akhenaton, também conhecido como Amenófis IV (Amenhotep IV), que governou no período de 1352-1336 a.C. como décimo faraó da XVIII dinastia egípcia. Ela viveu com seu marido e suas seis filhas em Amarna, onde teve um importante papel na adoração da divindade solar conhecida como Aton.
Nefertiti teve seis filhas durante os dez anos de casamento, as 3 mais velhas (Meritaton, Meketaton e Ankhesenpaaton) nasceram em Tebas antes do fim do sétimo ano de reinado de seu marido, enquanto as três mais novas (Neferneferuaten, Neferneferure e Setenpere) em Armana.
Durante o seu governo, Akhenaton simplificou a religião politeísta do Egito ao abolir o culto ao panteão dos inúmeros deuses, concentrando a adoração em um único deus, Aton, representado pela luz do sol. Nefertiti teve um importante papel na nova religião. O templo tebano conhecido como Hwt-benben (lar da pedra de Benben), vinculado diretamente a ela, contém uma representação dela fazendo uma oferenda a Aton, com o auxílio de Meritaton.
Aton, o “pai e mãe” de todas as coisas criadas, combinava elementos masculinos e femininos. Ele era assexuado e andrógino, então não tinha uma esposa, o que era incomum. Em geral as divindades egípcias eram visivelmente homens ou mulheres que se casavam e se reproduziam de modo convencional. Diferentemente, a nova divindade não tinha esposa divina nem filho para formar a tríade usual (deus, deusa, filho), o que retirava dela qualquer aproximação com a representação humana, tornando-a uma entidade abstrata.
Akhenaton encorajou Nefertiti a promover o elemento ausente do novo culto. Apesar dela não ostentar uma titulatura real própria, é muito provável que governasse conjuntamente ao marido. Como ela era celebrada pela condição de gêmea religiosa e complemento feminino da figura masculina do faraó, passou a compor junto com ele e a divindade uma tríade invertida semi-divina.
BIBLIOGRAFIA
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Meritaton
Também identificada pelos nomes Meritaten, Merytaten ou Meryaten, viveu durante a 18ª dinastia faraônica. Foi a primeira das seis filhas de Nefertiti e do faraó Akhenaton. Seu nome é uma homenagem à divindade única cujo culto foi criado no reinado paterno, e significa “aquela que é amada de Aton”. Suas demais irmãs foram Meketaton, Ankhesenpaaton, Neferneferruaton Tasherif, Neferneferrure e Setepenre.
Ela nasceu provavelmente em Tebas, antes de Amenófis IV assumir o trono real, pois Meritaton aparece retratada ao lado de Nefertiti em relevos esculpidos no Hwt-Benben. Ela aparece em pinturas de diversos templos, túmulos e edifícios, inclusive em cenas oficiais, como as representadas no Palácio Maru-Aton em Amarna. Seu nome é mencionado em documentos diplomáticos da correspondência real, como em uma carta de Abimilki de Tiro.
Meritaton parece ter assumido a posição de esposa real, pois assim aparece ao lado do marido, o faraó Smenkhare – que reinou em 1335-1334 a.C., e pode ter servido como regente na parte final do reinado de Akhenaton. Segundo algumas interpretações, ela própria pode ter governado o Egito no período entre 1334-1332. Como sua imagem aparece na decoração do faustoso túmulo de Tutankhamon, certos(as) pesquisadores, como a arqueóloga Alaine Ziye, defendem a ideia de que ela poderia ter sido a mãe adotiva deste jovem governante.
BIBLIOGRAFIA
TYLDESLEY, Joyce. Chronicle of the queens of Egypt: From early dynastic times to the death of Cleopatra. Londres: Thames & Hudson, 2006.
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WEGNER, Joseph. The sunshade chapel of Meritaten from the House-of-Waenre of Akhenaten. Philadelphia: University of Pennsilvanya Museum of Archaeology and Anthropology, 2017.
Cleópatra VII Filópator (69-30 a.C.)
Rainha do Egito, foi a última governante da dinastia ptolomaica. Esta dinastia tinha sido fundada pelo general Ptolomeu I Soter após a morte de Alexandre, o Grande, em 323 a.C.
Pertencente ao universo cultural helênico, incorporaram ao longo do tempo elementos da antiga instituição faraônica: desde a segunda geração, a dinastia aderiu ao casamento entre irmão e irmã, baseada na sua crença de que os faraós o praticavam.
Pouco se sabe da infância de Cleópatra, mas na família real, ambos meninos e meninas eram educados e as mulheres podiam governar juntamente com suas contrapartes masculinas. Plutarco conta que Cleópatra foi a primeira dos ptolomaicos a aprender a língua egípcia e que ela falava um total de sete idiomas. Ela também teria aprendido matemática, astronomia, música, retórica e literatura gregas.
Em 51 a.C., quando Ptolomeu XII morreu, Cleópatra, então com dezoito anos, assumiu o trono, governando com seu irmão (ou mais provavelmente meio irmão) Ptolomeu XIII. Como Ptolomeu tinha apenas 10 anos de idade quando o governo deles começou, Cleópatra foi a parceira dominante na relação. Três conselheiros da corte real, Áquila, Teodoto e Potino, aproveitaram-se da situação e exerceram forte influência sobre o menino. Enquanto Cleópatra pendia para o lado dos romanos, que haviam ajudado seu pai a reconquistar o trono, os conselheiros e Ptolomeu XIII, sob influência deles, apoiavam um Egito mais independente.
Por volta de 48 a.C. Ptolomeu XIII e seus conselheiros conseguiram expulsar Cleópatra para além das fronteiras do Egito. Enquanto ela estava reunindo um exército na Síria para tentar reconquistar seu trono, a disputa política entre os líderes romanos Pompeu e Júlio César teve desdobramentos no Egito, e ela encontrou ocasião de recuperar sua posição trono, o que obteve valendo-se de sua capacidade de charme, sedução e influência pessoal. César também garantiu aos irmãos mais novos dela, Arsínoe IV e Ptolomeu XIV, o governo do Chipre, o qual Roma havia anexado.
As relações pessoais e afetivas entre Cleópatra e César, com quem teve um filho, Ptolomeu XV, ao qual ela chamou Cesário, ou Pequeno César (47 a.C.), e depois com Marco Antônio, o importante líder romano que se estabeleceu em sua corte e envolveu-se com ela. Isto a colocou em conflito com Otávio, o mais alto pretendente ao trono imperial, e levou a que um conflito diplomático, e depois militar, eclodisse em 31 a.C., no qual o Egito foi derrotado e anexado ao Império Romano.
A morte dela, por suicídio, assumiu dimensão trágica e veio a ser objeto de inúmeras representações teatrais, musicais e cinematográficas. Personagem fascinante e controversa, é lembrada como irresistível amante mas também como governanta astuta, que empregou seus vários talentos para preservar o Egito como um estado independente o máximo possível.
BIBLIOGRAFIA
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JONES, Prudence. “Cleopatra VII”. In: AKYEAMPONG, Emmanuel K.; GATES JR., Henry Louis (dir). Dictionary of African Biography. Oxford University Press, 2012, v. 2, p. 101-104.
JONES, Prudence. Cleopatra: a Sourcebook. Norman: University of Oklahoma Press, 2006.
KLEINER, Diana E. E. Cleopatra and Rome. Cambridge: Belknap Press of Harvard University Press, 2005.
WALKER, Susan; HIGGS, Peter (eds). Cleopatra of Egypt: From History to Myth. Princeton: Princeton University Press, 2001.
Cleópatra Selene (40 – 05a.C.)
Rainha da Mauritânia, na época uma província romana da África, no período de 15-05 a.C. Pertencia a dinastia dos Ptolomeus, que governou o Egito no período situado entre os séculos IV e I a.C. Era filha da rainha do Egito Cleópatra VII e do triúnviro romano Marco Antônio. Um de seus nomes, Selene, significa “Lua”. Teve um irmão gêmeo chamado Alexandre Helio, cujo último nome significa “Sol”.
Pouco se sabe da sua infância, exceto que participou da cerimônia das Doações de Alexandria, em 34 a.C., quando foi declarada rainha da Cirenaica, e que foi levada para Roma junto aos seus irmãos após a derrocada do governo de sua mãe, em 30 a.C., sendo incorporada à família da viúva de Antônio, Otávia.
Ao atingir a idade matrimonial, foi casada com Juba II, filho do último rei da Numídia, Juba I, e ambos foram declarados governantes da Mauritânia. A mistura de elementos ptolomaicos e egípcios aparece na produção artística de seu período de governo. Em prédios públicos, o grego passou a ser o idioma oficial, e o casal mandou construir uma grande biblioteca real.
Selene foi importante para o aprimoramento erudito de Juba II ao prover seu acesso à cultura e tradição dos governantes Ptolomeus do Egito. Tiveram um filho, Ptolomeu, que herdou o reino após a morte de Juba, em 23 a.C.. Pode ter tido outros dois filhos, conforme especulações recentes. Ficou conhecida por diversos trabalhos artísticos, incluindo bustos, moedas e um prato de prata do tesouro de Boscoreale.
Morreu provavelmente no ano de 5 a.C., durante um eclipse lunar. Foi enterrada num mausoléu real construído em Tipasa para ela e para o marido, perto de Cesaréia, numa estrutura ainda visível hoje em dia.
BIBLIOGRAFIA
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Mônica (331-387 d.C.)
Santa cristã, mãe de Agostinho de Hipona, é a mulher africana mais famosa do seu século. Nascida provavelmente em Tagaste, atual Souk Ahras, na Argélia, morreu em Óstia, o porto de Roma. Seu nome sugere que sua família era nativa da região e falava e trabalhava na tradição púnica deixada pelos cartagineses, mas sua família imediata era cristã e pertencia às classes altas da sociedade romana provincial.
Nos escritos de Agostinho sobre Monica, notadamente no livro Confessiones (As Confissões), redigido entre os anos 397-400, em que ele descreve episódios de sua infância e juventude, antes de converter-se ao cristianismo, Santa Mônica é retratada em na sua propriedade rural (vila) dos arredores de Milão durante o inverno que antecedeu seu batismo, como alguém com uma fé religiosa serena, amor paciente por seu filho e esperança para que ele obtivesse um aprofundamento religioso.
Agostinho atribuiu à persistência e exemplo dela o mérito de ter-lhe preparado para a vida espiritual. Ela foi santificada pela Igreja não por operar milagres ou pelo martírio, mas por ter sido responsável pela conversão do filho que viria a ser um dos principais pilares morais do cristianismo. Ela teria morrido aos cinquenta e seis anos, e seu túmulo encontra-se no interior da Basílica de Santo Agostinho, em Roma.
BIBLIOGRAFIA
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DI BERARDINO, A. Monnica. In: Fitzgerald, Allan D..Augustine through the ages.. Grand Rapids: W.B, Eerdmans, 1999, p. 570-571.
O’DONNELL, James. “Monnica”. In: AKYEAMPONG, Emmanuel K.; GATES JR., Henry Louis (dir). Dictionary of African Biography. Oxford University Press, 2012, v. 4, p. 261-262.
Sophoniba (século III a.C.)
Aristocrata cartaginense, era filha de Asdrúbal, o notável comandante cartaginês da Segunda Guerra Púnica. Seu nome também é dado como Sophonisba e Spnb’l (“Baal pronunciou julgamento”). Hoje tudo o que se sabe sobre ela é o modo de sua morte, preservada em uma tragédia conhecida por Tito Lívio; outros relatos existentes são de Apiano e Dion Cassio.
Ela era educada, conhecia literatura e música, e ficou lembrada por seu grande charme. Chegou a ser noiva de Massinissa, o grande rei da Numídia, mas acabou se casando com Syphax, um importante chefe rebelde da Numídia. Quando ele e ela foram capturados pelos romanos em 203 a.C Massinissa tentou, em vão, resgatá-la, e então, para evitar um destino pior para ela enviou-lhe veneno que ela bebeu. Depois Sophoniba foi enterrada com um digno funeral real.
Este escasso relato parece ter excitado a imaginação grega e romana, pelo seu caráter dramático. A morte trágica de Sophoniba foi encenada em uma peça em 148 a.C., e lembrada nos textos dos autores romanos acima mencionados.
A morte de Sophoniba tornou-se comum na arte. O mais notável exemplo é uma pintura mural na Casa de Giuseppe II em Pompeia, datada do primeiro quartel do século I a.C., onde se vê mulher em trajes reais em um sofá segurando uma grande taça de metal enquanto outra personagem real olha por cima do ombro. Em tempos mais recentes, Sophoniba tem sido objeto de inúmeras representações artísticas em pintura, teatro e ópera.
BIBLIOGRAFIA
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HORN, Hein Gunther; RUGER, Christoph B. (Eds.). Die numider. Colônia: Reinhard-Verlag, 1979.
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Nzinga Mbandi (1583–1663)
Também referida popularmente como Rainha Jinga ou Rainha Ginga, ou como Dona Ana de Souza pelos portugueses. Nome pelo qual é conhecida Nzinga Mbandi Kia Mbandi, soberana dos reinos de Dongo e Matamba, de 1623 até o fim da vida, no território da atual Angola. Filha do Ngola Mbandi Kiluanji, em 1617 disputou o trono do Ndongo com seu irmão mais jovem ou” meio-irmão”, o qual, vencendo a disputa, foi entronizado com o nome Ngola Mbandi.
Em 1622 ela foi enviada a Luanda para negociar um tratado de paz com o governador português João Correia de Souza, permanecendo lá por cerca de um ano, tempo em que inclusive, recebeu os sacramentos do batismo católico e o nome cristão de Ana de Souza. Após seu regresso ao Dongo, com a morte de Ngola ela assumiu o trono, que ocupou por cinco anos, descumprindo não só o tratado assinado com os portugueses como o pacto cristão do batismo mas também bloqueando as rotas de comércio que levavam a Luanda. Atacada pelos portugueses ela se refugiou nas ilhas do rio Kwanza e nos anos 1626-1627 se estabeleceu no reino de Matamba, onde passou a comandar grupos de guerreiros imbangalas e a liderar a guerra contra os portugueses no período que se estendeu de 1630 até 1656, quando aceitou a paz e se converteu pela segunda vez ao catolicismo.
No contexto da independência angolana frente aos portugueses, na segunda metade do século XX. Nzinga aparece como heroína nacional, personificação maior da luta anticolonial, sendo enaltecida em romances, poesias, no teatro e no cinema. A preservação de sua memória na tradição oral assumiu na Diáspora caráter religioso e político, com forte conotação de resistência cultural.
Sua imagem foi preservada e transmitida nas irmandades de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos de Lisboa ou de diferentes partes do Brasil, onde por vezes, as rainhas Gingas (ou Jingas) são ritualmente coroadas. Tais celebrações ocorreram (e por vezes continuam a ocorrer) em Minas Gerais, Goiás, Bahia, Paraíba e Pernambuco – e sobretudo na comunidade quilombola de Morro Alto (Rio Grande do Sul), em que desde pelo menos o fim do século XIX as rainhas Gingas são anualmente coroadas, ao lado dos reis do Congo, durante a festa do Maçambique de Osório.
BIBLIOGRAFIA
MATA, Inocência (Org.). Nzinga Mbandi: história, memória e mito. Lisboa: Edições Colibri, 2012
PANTOJA, Selma. Nzinga Mbandi: mulher, guerra e escravidão. Brasilia: Editora Thesaurus, 2000.
PANTOJA, Selma. “Nzinga a Mbandi”. In: AKYEAMPONG, Emmanuel K.; GATES JR., Henry Louis (dir). Dictionary of African Biography. Oxford University Press, 2012, v. 4, p. 527-528.
PARREIRA, Adriano. Economia e sociedade em Angola na época da Rainha Jinga. Lisboa: Editorial Estampa, 1990.
PANTOJA, Selma. Jinga de Angola: a rainha guerreira da África. São Paulo: Todavia Editora, 2019.
Ancestrais
Ardi (4.400.000 anos)
Nome pelo qual ficou conhecido o fóssil fêmea denominado cientificamente como Ardipithecus ramidus, encontrado no ano de 1992 por uma equipe internacional de cientistas financiada pela Universidade da California em Aramis, no Deserto de Afar, na atual Etiópia. Após rigorosos estudos para determinar a autenticidade e originalidade da descoberta, a divulgação dos resultados foi anunciada em artigos da revista científica Nature no ano de 2009, e em um longo documentário exibido mundialmente no Discovery Channel.
O esqueleto, constituído de 125 partes, algumas das quais, como a cabeça, as mãos e os pés em bom estado de conservação, foi cuidadosamente escavado e reconstruído por uma equipe internacional de especialistas sob a supervisão de Tim White, que trabalha com paleontologia e arqueologia paleolítica.
Ardi teria medido 1,2 m de altura e pesava cerca de 55 quilos. A estrutura e composição física indicam que se tratava de um hominídeo fêmea. No estado atual das pesquisas, seu fóssil é considerado o mais antigo registro da evolução que levou ao aparecimento do gênero humano. A fêmea Ardipithecus era uma criatura das florestas, com cérebro pequeno, braços longos e pernas curtas. A pélvis e os pés mostram uma forma primitiva de caminhar ereto, porém ela também era capaz de subir em árvores, com seus longos e grandes dedos que lhe permitiam agarrar, assim como os primatas.
Sua descoberta confirma o que o acúmulo de pesquisas de diversas procedências demonstrou acerca da origem africana de todo o processo de constituição da humanidade. O nome do fóssil, Ardi, na língua etíope falada em Afar, significa, literalmente “Chão da Terra” ou “Origem” e, por extensão, “Ancestral”. A palavra pithecus, acrescentada pelos cientistas, é de origem grega e traduz-se por “macaco” – em referência ao estudo dos primatas e hominídeos.
BIBLIOGRAFIA
GIBBONS, Ann. A new kind of ancestor: Ardipithecus unveiled. Science, v. 326, p. 36-40, 2009.
CLARCK, Gary; HENNEBERG, Maciej. The life history of Ardipithecus ramidus: a heterochronic modelo f sexual and social maturation. Anthropological Review, v. 78, n. 2, 2015: https://content.sciendo.com/view/journals/anre/78/2/article-p109.xml
Eva Africana (c. 200.000 anos)
Mais recente ancestral comum, também conhecida como Eva Mitocondrial, nome proposto pela geneticista Rebecca L. Cann, quando ela e seus colegas pesquisadores da Universidade da California identificaram e dataram o vínculo de descendência do ser humano anatomicamente moderno com uma hipotética e única “mãe africana”, a partir de análise de variação genética do DNA mitocondrial (1987).
Usando DNA mitocondrial (herdado somente da linha materna), Rebecca Cann e seus associados examinaram 147 indivíduos e produziram uma árvore genética evolucionária mostrando os ramos de dois conjuntos de indivíduos: um conjunto de ancestral africano e um segundo conjunto de uma mistura entre africanos e “outros” ancestrais. A árvore revelou que os seres humanos modernos se originaram na África a partir de uma única fonte, que Cann e seus colegas nomearam “Eva”, de um período entre 140,000 e 290,000 anos atrás. Pesquisas subsequentes situaram essa data em aproximadamente 200,000 anos atrás ao comparar dez modelos genéticos humanos.
“Eva Africana” é um modelo matemático, e não um fóssil real de restos humanos. Não obstante, a maioria dos cientistas atuais concordam que ela é ancestral de todos os seres humanos atuais e que viveu na África. Na primeira metade dos anos 1990 várias árvores alternativas foram publicadas, com várias “raízes” diferentes fora da África. Conforme o conhecimento em genética aumentava e as técnicas melhoravam, abordagens diferentes foram aplicadas ao problema das origens humanas, padrões de migração e tempo, e a presença ou ausência de gargalos genéticos (períodos durante os quais populações decrescem marcadamente em tamanho).
Em 2000, Kaessman Ingman e U. Gyllesten sequenciaram completamente o DNA mitocondrial de 53 mulheres. Eles encontraram uma sequência distinta e única em cada uma dessas mulheres e foram hábeis em construir uma árvore genética baseada nesses dados. A primeira divergência ocorreu com mulheres da África Sub-Sahariana, seguidas por uma ramificação de vários indivíduos de outras partes da África, apoiando, deste modo, a origem genética africana dos humanos modernos proposta por Cann e seus colegas em 1987.
Um adicional de 66 mulheres foram sequenciadas independentemente por J.L. Elson e seus colegas (2001) com resultados similares. A Eva Africana não foi a única mulher de sua espécie. Muitos estudos de DNA nuclear, de fósseis e de sítios arqueológicos indicam uma população antiga nas dezenas de milhares na época que Eva estava viva. A dificuldade na interpretação provavelmente vem do fato de que, embora os estudos indiquem um único ancestral comum feminino para todas as mulheres vivas atualmente, estes estudos não levam em conta as linhas que desapareceram e o fato de os machos não passarem DNA mitocondrial.
“Eva” não é a ancestral comum mais recente compartilhada por todos os humanos vivos; em vez disso, a proposta é que ela seria a provável ancestral comum matrilinear mais recente. Em meados dos anos 1990 geneticistas começaram a pesquisar o ancestral patrilinear mais comum dos humanos modernos, agora chamado “Adão cromossomial-Y” para se juntar a “Eva Africana” na linha evolucionária humana. Este teria vivido entre 60.000 e 90.000 anos na África subsaariana, segundo se pode aferir a partir dos dados obtidos até agora.
Wikimedia Commons. [Sítio institucional]. Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Abreha_and_Atsbeha_Church_-_Adam_and_Eve_01.jpg. Acesso em: 11 dez. 2020.
BIBLIOGRAFIA
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INGMAN, M. et alii. Mitochondrial genome variation and the origin of modern humans. Nature, v. 408, p. 708-713, 2000.
MILLER, Elizabeth. African Eve”. In: AKYEAMPONG, Emmanuel K.; GATES JR., Henry Louis (dir). Dictionary of African Biography. Oxford University Press, 2012, v. 1, p. 107-108.